"Sonho de princesa" da esquerda liberal




Recentemente tivemos a notícia de que “marido de Beyoncé entrou para o time dos bilionários da Forbes” comemorada como grande vitória por dois motivos fundamentais: O primeiro é que um rapper negro havia entrado para esta seleta lista da revista Forbes; o segundo é que o Jornal O Globo havia o chamado de “Marido da Beyoncé”, zoando com o péssimo hábito existente na imprensa de transformar mulheres nas sombras de seu cônjuge (Ou, como diria Sergio Moro: Conge). Bem, só muito mesquinhamente se poderia comemorar isso.
Esse evento recente só demonstra o derrotismo e o entreguismo de uma esquerda que jogou fora todo seu projeto emancipatório em nome de um “sonho de princesa” no capitalismo, uma ilusão de “empoderamento através do consumo” em que, supostamente, todos teriam espaço de enriquecer e “ocupar posições de poder’ neste regime ou, no mínimo, sentir-se representados dentro dele. Isso é grave. Como escreveu acertadamente Terry Eagleton (2003, p. 19):
(...) um tipo de capitalismo mais esperto, consumista, nos persuade a sermos indulgentes com nossos sentimentos e a nos gratificar tão despudoradamente quanto possível. Dessa maneira, não apenas consumiremos mais bens; mas também identificaremos nossa própria satisfação com a sobrevivência do sistema.

A ideia de que o “consumo nos torna cidadãos” tornou-se tão natural para nós no paradigma neoliberal que nossa militância e nossos sentimentos de representação tornam-se vassalos do ato de consumir, assim sendo, um expoente negro do rap ter um MASSIVO poder de consumo acaba por ser algo comemorado neste contexto. Mas por que, afinal, não deveria ser comemorado? Este espaço não é historicamente ocupado por pessoas brancas? Sim, é, mas a discussão não pode ficar apenas nesse nível, pois ficar BILIONÁRIO (Possuir muitos milhões na conta) pressupõe uma desigualdade brutal de renda e uma exploração do trabalho alheio.
Como assim pressupõe? É simples, bilhões de dólares só tem qualquer utilidade em uma sociedade que atribua valor a este material (Ao dinheiro, em específico: O dólar), este elemento é histórico, construído através dos séculos, porém o dinheiro que dá poder de compra é uma representação do valor produzido em uma sociedade. Como este valor é produzido? Através do trabalho, que é a capacidade humana de transformar uma coisa em outra e sanar as necessidades (Das mais básicas até as mais complexas e baseadas no puro desejo), entretanto o regime capitalista tem sua base na seguinte contradição, a partir desses pressupostos: O fruto do trabalho socialmente realizado é apropriado por algumas poucas mãos, dos chamados capitalistas, que investem seu capital que deve ser valorizado constantemente pela força de trabalho daqueles e daquelas que só tem seu tempo e sua disposição a vender para não morrer de fome, a chamada classe trabalhadora. Assim, a sociedade capitalista se apresenta, a primeira vista, como um paraíso de consumo, ou como diria Marx: “Uma enorme coleção de mercadorias.” (2013, p. 113), entrementes, tais mercadorias pressupõem, nesse sistema, a exploração do trabalho de uma classe sobre a outra na construção do valor, como explicado acima. Voltando mais uma vez ao barbudo alemão: “A produção capitalista não é apenas produção de mercadoria, mas essencialmente produção de mais-valor. O trabalhador produz não para si, mas para o capital. Não basta, por isso, que ele produza em geral. (MARX, 2013, p. 578).
O mais-valor é o elemento determinante e o objetivo do trabalho no capitalismo e ele é, basicamente, construído no processo de exploração. Um trabalhador precisa, hipoteticamente, de seis horas de “trabalho necessário” (O suficiente para ter sua subsistência), porém trabalha mais duas horas gratuitamente para o patrão, processo este chamado de “mais trabalho”, de onde é tirado o mais valor, a valorização do capital originalmente investido e também de onde sairá o lucro do patrão (Lembrar que o “mais-valor” não é o lucro). Assim, o capitalismo explora o trabalho e mantém com mais deveres do que direitos aqueles que mantém o sistema funcionando e geram o mais-valor: Os trabalhadores.
Estão entendendo o quebra-cabeça? Os “bilhões” não vem do céu, são representações de valor gerados através do trabalho de milhões de trabalhadores que não tem quaisquer privilégios ou vantagens na sociedade estadunidense contemporânea, que é extremamente desigual. Assim, Jay-Z ser bilionário só mostra que ele está no jogo e que a desigualdade tornou-se tão brutal que UM SÓ INDIVÍDUO é capaz de possuir tamanho patrimônio, enquanto mais de 90% da população (Nisso incluso a parte mais pobre, constituída principalmente de pessoas negras) é mantida com baixos salários para potencializar o mais-valor e, incluso nisso, os lucros de um 1% no qual Jay-Z está envolvido. Assim, não há representatividade alguma, na realidade, apenas uma militância comemorando a reprodução da desigualdade, vivendo das migalhas da elite e, alguns, iludindo-se com a ideia de que tal fato demonstra que “qualquer negro pode chegar lá”, sendo que não há planetas suficientes para suportar uma grande quantidade de pessoas bilionárias. Um movimento negro que comemora tal evento sequer pode ser considerado “de esquerda” e, inclusive, demonstra o quão orgânico tornou-se o capitalismo.
Mas, Sued, e a questão simbólica? Ele chegar a esta posição não irá ser um ponto de referência para os negros pobres que cresceram vendo apenas brancos em Outdoors? A posição desses “brancos” deveria ser rechaçada, não admirada, seu lugar de poder não deve ser almejado, mas destruído! Logo, não... Não há nada realmente bom em Jay-Z ser bilionário na prática. A riqueza no capitalismo pressupõe exploração e desigualdade de renda brutal, uma das engrenagens. Comemorar um novo bilionário é, literalmente, capitular.
Assim, é vital que a esquerda abandone seu “sonho de princesa” e retome os projetos revolucionários, pois a própria existência do planeta está em jogo, a Terra dificilmente aguentará mais cem anos de valorização extrema do capital (Que exige crescimento exponencial infinito em um planeta finito). Tomar parte nesta destruição dos mais pobres e do próprio planeta não é projeto de uma esquerda que se respeite!

EAGLETON, Terry. Depois da Teoria. 2ª ed. Civilização brasileira. Rio de Janeiro, 2003.

MARX, Karl. O Capital: Critica da economia política Livro I. 1ª ed. Boitempo editorial, São Paulo, 2013.

Comentando esta notícia: https://www.b9.com.br/109147/jay-z-faz-historia-ao-ser-o-primeiro-rapper-na-lista-de-bilionarios-do-mundo/


Até a mídia liberal sabe: https://economia.uol.com.br/noticias/afp/2017/12/14/desigualdades-crescem-no-mundo-especialmente-nos-estados-unidos.htm

SUED

Nome artístico de Línik Sued Carvalho da Mota, é romancista, novelista, cronista e contista, tendo três livros publicados, também é graduada em História pela Universidade Regional do Cariri e constrói o Partido Unidade Popular pelo Socialismo. Militante comunista, acredita no radicalismo das lutas e no estudo profundo de política, sociologia, História e economia como essenciais para uma militância útil.
Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às segundas-feiras.
Contato: lscarvalho160@gmail.com




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