Sobre a romantização das dores

Lendo o brilhante livro "A Ética e Suas Negações" do professor e filosófo Julio Cabrera, que antigamente lecionava na Universidade Federal de Santa Maria, vem-nos a necessidade de escrever sobre a romantização das dores, seja a dor individual e intrínseca do ser, ou para o  insigne professor,   também do não ser, quanto das dores sociais. A última romantizada através da mercantilização da superação e da falácia da meritocracia. 
Tratando primeiro do individuo, reproduzimos antes um aforismo do filósofo: "o sofrimento é algo que deve ser, pura e simplesmente ligado ao 'ser'. (...) Assim, a dor não é maldição, castigo, anomalia, desajuste, nem mesmo desvio; mas a conditio sine qua non do ser". Há tanto nos sistemas éticos afirmativos como na ética negativa a aceitação da dor. Para os primeiros como uma construção da moral, uma correição do ser. Para a ética negativa, a dor não é edificante, não possui uma finalidade e não levará ao bem maior: a felicidade aristotélica, simplesmente é própria do ser. Nesta última, há ainda uma avaliação neutra e resiliente, embora essa seja uma análise extremamente reducionista da ética negativa, a qual possui diversos apontamentos que estamos de acordo. 
Não há, portanto, independente do sistema de análise, uma vida sem dor. Há uma busca em aceitá-la, mesmo que de maneiras diametralmente opostas. A dor, em nossa própria visão, não é algo que constrói o ser nem algo que o destrói. É inevitável? Não. É fruto da construção social. Construiu-se um homem que precisa sofrer. Essa construção leva também a necessidade de redenção, de deuses, de sistemas infinitos de barganha. 
Essa análise da dor fica mais evidente e clara saindo do obscuro sistema da dor existencial e partindo-se para o que chamaremos aqui de dor social, um correlato das desigualdades sociais. Foi Marx, com outros termos, quem cunhou essa dor social ao evidenciar sua visão de liberdade como a análise dos possíveis e não aquilo que se é afirmado, isto é, nossa liberdade de fato é condicionada ao que possuímos e ao sistema econômico, por mais que o sistema afirme nossas infinitas escolhas, nós estamos vinculados a nossas influências/determinantes culturais, sociais e econômicas. Poucos são os que conseguem escapar desse círculo vicioso de construção de novos iguais tão quão escravos do meio. Quem consegue não é por mérito ou por algum talento especial, mas sim por permissão do próprio sistema que o coloca como exemplo a ser seguido, como a afirmação dos possíveis. Quase todos nós caímos neste conto de esperança. Um conto antirrevolucionário e que, obviamente, muito bem vem servindo aos interesses do capital. 
Ao nosso ver, a consciência das dores, sejam as intimas, sejam as sociais, o seu reconhecimento é liberdade e um processo individual, no entanto, a exploração ativa e afirmativa de suas origens (sem romantização) tem papel fundamental para construção da mente revolucionária. Mudando sistemas, não os negando, é a forma ideal de vencer as dores. 

Seguimos com as nossas dores.

Josué da Silva Brito 
Colunista aos sábados do Ad Substantiam 
Autor dos livros Poente da Rosa e Carnal Desires 

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