OUÇA O CANTO DO BEM-TE-VI
Em português:
Para ler ouvindo “Pequena Memória Para Um Tempo Sem Memória”, cantada por
Gonzaguinha: https://www.youtube.com/watch?v=SJ_1pjnW2Lg
No início de
uma manhã quente e nublada de sábado e entre as várias acácias na Avenida José
Selim de Sales pouso na mais florida e escuto dois professores moradores do
Ferroviários discutirem a situação pré-apocalíptica brasileira.
- Ontem entrei numa sala de aula, numa turma de
segundo ano do Ensino Médio. Logo após um “Bom Dia” à turma, fui surpreendido
com a seguinte pergunta: “E aí, professor, está com medo?” Risos e em seguida:
“Esquerdista! Petista safado! Escritorzim comuna! É uma nova era e agora cê tá
ferrado”.
- É aterradora a forma como nós, professores, somos
vistos e tratados.
- Fiquei imensamente triste pelo comportamento de
alguns alunos ensandecidos por tais ideias. Mas sabia que coisas desse tipo
poderiam acontecer! É um fato triste sim! Mas veja o lado bom! Nós, Professores,
ainda representamos “uma força” que os incomoda, que eles “temem”... Por isso
eles tentam desqualificar os professores, os escritores e os artistas.
- É, Amigo! Nem tudo está perdido!
Despedem-se e
levanto voo seguindo um deles. No meio da manhã ele se encontra com outro
jardineiro da palavra na rotatória entre Jardim Panorama e Canãa.
- Amigo, estou pensando seriamente em pedir asilo
político no Uruguai. Estou mexendo com a burocracia e estudando a situação
uruguaia. E antes do tirano tomar posse pretendo mudar para lá. Vamos? Não é se
acovardar, mas seremos mais úteis lá, onde poderemos denunciar tudo que está
acontecendo. Aqui irão nos calar de uma maneira ou de outra. Estive conversando
com Fábia Fração sobre você e estamos com enorme apreensão... Sua forma de
escrever é muito ousada.
- Bom pensar bem, como você está dizendo. Júlio
esteve lá e a sogra do Emil pode falar algo sobre isso.
- A gente chega lá e trabalha com qualquer coisa.
- Meu sonho seria ir... Meu irmão não me permite.
- Leva ele. E veja o sítio Pragmatismo Político.
Depois te passo o endereço¹ certinho e você verá como passar por toda a
burocracia.
- Não, não é possível levá-lo. Desde as dificuldades
dele à enfermidade que me provoca.
- Amigo, você não pode ficar aqui.
- E não posso jogá-lo nas costas de minha irmã.
Infelizmente, esse é meu destino. Sendo melodramático... Morrendo eu, cuide do
que criei. Meus parentes não me valorizam e nem ao que produzo. E por isso não
quero que eles lucrem com meu trabalho. Se alguma renda sair, que vá para apoio
a artistas de rua, a escritores e a LGBT’s. Copie tudo que está nos blogs e
faça o melhor com eles. Estou preso. Mas você tem função importante. Se nada
acontecer a gente agradece a Deus. Se acontecer-me o pior você usará minhas
produções para alertar o mundo, para divertir alguns e para ajudar artistas de
rua, escritores e LGBT’s.
- Amigo, não desista.
- Não desisto, resisto. Mas não tenho ilusões. Se eu
não estivesse preso, iria.
- Não há uma mínima chance de ir? Pensa bem. Analise
hipóteses.
- Analisando estou. Mas se levar meu irmão não
suportarei. Ele fica uma semana em minha casa e outra na de minha irmã. E
sempre que está comigo fico doente.
- Vamos levá-lo. Eu ajudo a cuidar dele. A gente se
vira. Mas aqui você não pode ficar. Ninguém sabe o que poderá acontecer se
ficar.
- Não sei, mas imagino. Tenho medo de ser preso. Medo
maior de ser torturado. De enlouquecer e até de viver longos anos depois disso.
Mas não posso largar meu irmão nas costas de minha irmã.
- Se você ficar, de qualquer maneira ele irá acabar
nas costas de sua irmã. Porque você não vai durar muito.
- Tenho pensado nisso. Contudo, sair daqui será
destruir minha irmã, que já cuida de nossa mãe, com Alzheimer; e ainda cuidaria
do nosso irmão? Não aguento ficar com ele, mas não será porque abandonei que
ela padecerá. Não, tenho que ficar.
- Tem que ir. Você, mais do que eu, corre riscos. E
ajudo a cuidar dele lá...
- Suporto com dificuldade tomar conta dele. Gosto de
meu irmão, mas não o aguento. Não quero, mas tenho. Não posso, mas preciso. Se
eu saísse teria que ser sem ele para meu bem estar. Mas isso desabaria a minha
irmã.
- Ai, Amigo! A gente tem que conversar mais.
- Entenda bem isso. Não posso, mesmo querendo. Todavia,
precisarei que cuide de meus textos. Trabalhe meus trabalhos. Trabalhe com meus
trabalhos.
- Não há possibilidades de eu ficar com os fundos de
suas obras. Pertencerão aos seus herdeiros naturais.
- Minha família mal sabe o que escrevo; se é que sabe
alguma coisa. Se eu puder, passo-os para você como uma espécie de herança. Se não,
copie e depois apague tudo do blog; elimine o blog. E publique com os nomes
seus e do Gam.
- Não será necessário.
- Espero que não se faça necessário eliminar o blog.
- A gente vai pro Uruguai. Nós três ficaremos vivos.
Vamos passar por isso tudo. De lá a gente derrubará o governo daqui.
- Não temo a morte. Temo a humilhação física, moral e
psicológica que poderia vir antes da morte. Mas esperemos que estejamos
exagerando...
- É também o que temo, a humilhação. E é por isso que
vamos sair daqui. Se for exagero nosso, voltamos.
- É por isso que você e Gam sairão. Eu não posso.
Quero, mas não posso.
- Iremos os três.
- Víni, não sou mártir. Cruz credo. Sou medroso
demais para ser mártir. É só que meus deveres têm que ser cumpridos.
Os dois se
afastam após se despedirem e continuo seguindo-o. Sobrevoo as variadas árvores
de Ipatinga. Quantas flores... Chegamos à casa² da irmã.
- Oi! Tudo bem?
- Sim, mas nosso irmão esteve um pouco tenso, mas
está dormindo agora. E você?
- Estou bem, e recuperando-me.
- Aconteceu alguma coisa?
- Não, não. É que ainda estou em tratamento. Há dias
mais difíceis que outros. E tem momentos que estou muito desanimado e faminto.
Enquanto em outros estou “normal”, mas faminto.
- Força!
- Obrigado!
Enquanto ele dá
uma pausa canto por alguns segundos minha música; de maneira tranquila e
alegre.
- Tenho muitos amigos que vão pedir asilo político ao
Uruguai. E queriam que eu fosse também.
- Por quê? Você precisa?
- Nós, que somos intelectuais e LGBT, estaremos na
mira do governo eleito. Aliás, já tem gente recebendo ameaças de morte. Víni e
Andanças, por exemplo. Mas vou ficar. Não é hora de eu sair.
- Por um momento pensei que ia me abandonar, me
deixar sozinha.
- Não, não poderia fazer isso. Fique tranquila.
- Estou em oração por todos nós. Deus está com você.
Não tenha receios. Confie.
O Amigo despede
da mãe e da irmã. O irmão pega sua bolsa e vai com o Amigo para a casa deste.
Eu, porém, continuo a observar Ipatinga cantando o caos avizinhante.
En español:
Leer al sonido de “Pequena
Memória de Um Tempo Sem Memória”, cantada por Gonzaguinha: https://www.youtube.com/watch?v=SJ_1pjnW2Lg
OIGA EL
CANTO DEL URUTAÚ
Al inicio de una mañana caliente y
nublada de sábado y entre las acacias en la Avenida José Selim de Sales poso
sobre la más florida y escucho a dos profesores moradores del barrio
Ferroviarios discutir sobre la situación pre-apocalíptica brasilera.
-Ayer
entré en un salón de clases, en un grupo de segundo año del secundario. Después
de un ‘Buen Día’ al grupo, fui sorprendido por la siguiente pregunta: “¿Profesor,
¿está con miedo?” Risas y enseguida: “¡Zurdo! ¡Escritorcito comunacho! ¡Llegó
una nueva era y ahora estás jodido!”.
-Es
aterradora la forma en que nosotros, los profesores, somos vistos y tratados.
-Quedé
inmensamente triste por el comportamiento de algunos alumnos ensañados por
estas ideas. ¡Pero sabía que cosas de este tipo podrían acontecer! ¡Es un hecho
triste, sí! ¡Pero ve el lado bueno! Nosotros, los Profesores, todavía
representamos una fuerza que los molestan, que ellos temen… Por eso ellos
intentan descalificar a los profesores, escritores y artistas.
- ¡Cierto,
Amigo! ¡No todo está perdido!
Se despiden y levanto vuelo para
seguir a uno de ellos. En medio de la mañana se encuentra con otro jardinero de
la palabra en la rotonda entre el barrio Jardín Panorama y Canãa.
-Amigo,
estoy pensando seriamente en pedir asilo político en Uruguay. Estoy viendo la
burocracia y estudiando la situación uruguaya. Antes de que el tirano tome
posesión pretendo ir a vivir allá. ¿Vamos? No es acobardarse, pero seremos más útiles
allá. Donde podremos denunciar todo lo que esté pasando. Aquí van a callarnos
de una manera u otra. Estuve hablando con Flavia Fracción sobre vos y estamos
con enorme preocupación. Tu manera de escribir es muy osada.
-Es
bueno pensar bien, como vos estás diciendo. Julio estuvo allá y la suegra de
Emil puede hablarnos de algo sobre eso.
-Llegamos
allá y trabajamos con cualquier cosa.
-Mi
sueño sería ir… Mi hermano no me permite.
-Llévalo.
Y fíjate la página Pragmatismo Político. Después te paso el enlace¹ exacto y
vas a ver cómo pasar por toda la burocracia.
-No,
no es posible llevarlo. Desde las dificultades de él a la enfermedad que me
provoca.
-Amigo,
no podés quedarte aquí.
-Y
no puedo lanzárselo a mi hermana. Lamentablemente, ese es mi destino. Siendo
melodramático… Muriendo yo, cuida de lo que crie. Mis parientes no me valorizan
a mí ni a lo que produzco. Y por eso no quiero que ellos lucren con mi trabajo.
Si alguna renta sale, que vaya para apoyar a artistas callejeros, escritores y
a LGBT’s. Copia todo lo que está en los blogs y hace lo mejor con ellos. Estoy
preso. Pero vos tenés una función importante. Si nada nos pasa agradeceremos a
Dios. Si me pasa lo peor vos usarás mis producciones para alertar al mundo,
para divertir a algunos y para ayudar a artistas callejeros, escritores y LGBT’s.
-Amigo,
no desistas.
-No
desisto, resisto. Pero no tengo ilusiones. Si yo no estuviese preso, iría.
-¿No
hay una mínima chance de ir? Piensa bien. Analiza hipótesis.
-Analizando
estoy. Pero si llevo a mi hermano no soportaré. Él se queda una semana en mi
casa y otra en la de mi hermana. Y siempre que está conmigo me enfermo.
-Vamos
a llevarlo. Yo ayudo a cuidar de él. Nos arreglamos. Pero acá vos no te podes
quedar. Nadie sabe lo que podrá pasar si te quedas.
-No
lo sé. Pero imagino. Tengo miedo de caer preso. Mayor miedo a ser torturado. De
enloquecer y hasta de vivir largos años después de eso. Pero no puedo soltar a
mi hermano sobre los hombros de mi hermana.
-Si
vos te quedas, de cualquier manera él irá a terminar en los hombros de tu
hermana. Porque vos no vas a durar mucho.
-He
pensado sobre eso. Salir de aquí será destruir a mi hermana, que ya cuida de
nuestra madre, con Alzheimer; ¿y todavía cuidaría de nuestro hermano? No
aguanto quedarme con él, pero no será porque abandoné que ella padecerá. No,
tengo que quedarme.
-Tienes
que ir. Vos, más que yo, corres riesgo. Y te ayudo a cuidar de él allá…
-Soporto
con dificultad hacerme cargo de él. Tengo cariño por mi hermano, pero no lo
aguanto. No quiero, pero debo. No puedo, pero necesito. Si yo saliese tendría que
ser sin él para mi bienestar. Pero eso desmoronaría a mi hermana.
-¡Ay,
Amigo! Tenemos que conversar más.
-Entiende
bien eso. No puedo, mismo queriendo. Todavía precisaré que cuides de mis
textos. Trabajes mis trabajos. Trabajes con mis trabajos.
-No
hay posibilidades de quedarme con los fondos de tus obras. Pertenecerán a sus
herederos naturales.
-Mi
familia ni sabe lo que escribo; si es que saben alguna cosa. Si yo pudiera, los
pasaría para vos como una especie de herencia. Si no, copia y después borra
todo del blog; elimina el blog. Y publica con los nombres tuyo y el de Gam.
-No
será necesario.
-Espero
que no sea necesario eliminar el blog.
-Nosotros
vamos para Uruguay. Nosotros tres estaremos vivos. Vamos pasar por todo eso.
Desde allá derrumbaremos el gobierno de aquí.
-No
le temo a la muerte. Le temo a la humillación física, moral y psicológica que
podría venir antes de la muerte. Pero esperemos que estemos exagerando…
-Y también
lo que temo, la humillación. Y es por eso que vamos a salir de aquí. Si es
exageración nuestra, volvemos.
-Es
por eso que vos y Gam saldrán. Yo no puedo. Quiero, pero no puedo.
-Iremos
los tres.
-Vini,
no soy mártir. Dios me libre. Soy demasiado miedoso para ser mártir. Solo es
que mis deberes tienen que ser cumplidos.
Los dos se alejan después de
despedirse y continúo siguiéndolo. Sobrevuelo los variados árboles de Ipatinga.
Cuantas flores… Llegamos a la casa de la hermana.
-¡Hola!
¿Todo bien?
-Sí,
pero nuestro hermano estuvo un poco tenso, mas está durmiendo ahora. ¿Y vos?
-Estoy
bien, y recuperándome.
-¿Pasó
algo?
-No,
no. Es que todavía estoy en tratamiento. Hay días más difíciles que otros. Y
tengo momentos en los que estoy muy desanimado y hambriento. Mientras tanto en
otros estoy “normal”, pero hambriento.
-¡Fuerza!
-¡Gracias!
Mientras él hace una pausa, canto
por algunos segundos mi música; de manera tranquila y alegre.
-Tengo
muchos amigos que van a pedir asilo político a Uruguay. Y querían que yo fuese
también.
-¿Por
qué? ¿Vos necesitas?
-Nosotros,
que somos intelectuales y LGBT, estaremos en la mira del gobierno electo.
Además, ya hay gente recibiendo amenazas de muerte. Vini y Andanzas, por
ejemplo. Pero voy a quedarme. No es hora de que yo salga.
-Por
un momento pensé que ibas a abandonarme, a dejarme sola.
-No,
no podría hacer eso. Quédate tranquila.
-Estoy
orando por todos nosotros. Dios está con vos. No tengas recelos. Confía.
El Amigo se despide de la madre y de
la hermana. El hermano toma su bolso y va con el Amigo para la casa de este.
Yo, sin embargo, continúo observando Ipatinga cantando el caos que se avecina.
² Diquinha de português – crase diante de ‘casa’:
A palavra ‘crase’ significa fusão, junção; é o nome que se
dá à contração da preposição “a” com – no singular ou plural - o artigo
feminino “a”; com o “a” dos pronomes “aquele”, “aquela”, “aquilo”,
“aqueloutro”, “aqueloutra”; o “a” do pronome relativo “a qual”; e o “a” do
pronome demonstrativo “a”. E o acento grave ( ` ) é o indicador que houve fusão entre dois “aa”.
Observação: Sempre haverá crase quando a oração se refere a
alguém ou alguma coisa.
Atenção: As palavras “terra” e “casa” são casos especiais
de crase.
A preposição “a” antes de ‘terra’ com sentido de terra
natal ou planeta sempre levará crase; mas com sentido de chão firme, oposto a
bordo (de barco) só terá crase se vier acompanhado de um modificador.
A preposição “a” receberá acento grave antes de ‘casa’
somente quando esta tiver sentido de lar e acompanhada de algum modificador.
Exemplos: Chegamos cedo a
casa. (É somente uma casa, sem nada que a
especifique). Chegamos cedo à
casa de meu pai. (Já não é mais uma casa
qualquer; é a casa paterna).
Fonte: TUDO SOBRE CONCURSO. Crase. Disponível: http://www.tudosobreconcursos.com/materiais/portugues/crase
. Acesso 05 Nov 2018.
Biografia do autor e do tradutor:
Rubem
Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às
quintas-feiras; e todo domingo no seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura,
Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em
“Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”,
“Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor
dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”,
“Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola,
Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e
“Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro
Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Julian Cabral é natural de Buenos Aires (Argentina) e onde
estudou inglês na Escola Superior nº 6 Vicente López y Planes; artista de rua
especializado em malabares (argolas, devilstick e outros) e autodidata.
Escrito entre os dias 30 de outubro e 08 de novembro de 2018.
Puxa, bem triste!
ResponderExcluir