Já vai tarde: o triste fim do PT

Após sofrer um acidente vascular encefálico (AVE), o ditador português António Salazar ficou restrito a sua moradia, sem saber, entretanto, que um ex-componente de seu governo, o Marcello Caetano lhe havia substituído e dava as cartas no fim do Estado Novo. Como forma de respeito ao ex-líder, diversos ministros vinham diuturna e diariamente tomar conselhos e lhe tratavam como chefe que fora, até o momento da sua morte. 
O partido dos trabalhadores (PT) hoje é um sobrevivente de uma das maiores derrotas da sua história, sendo um partido distante (e muito) da opinião pública e das esquerdas, preferindo reservar a si a memória de uma liderança que já não mais lhe pertence ao se segurar em figuras controversas e jurássicas. 
Diferente do que aconteceu em Portugal, o PT continua cativo dos seus líderes e sem renovação, sendo refém de seus "Salazares" acometidos pela presunção, pelo ego e personalismos, comprometendo suas posições frente a opinião pública e a esquerda. Ao não se desvencilhar de figuras como o ex-ministro José Dirceu, uma figura, claro, de importância histórica inegável, e o presidente Lula, o partido se encarcera junto a eles. A grande tragédia está, porém, no fato de que essa "resistência" não serve nem ao partido e nem a essas personagens, pelo contrário, é um abraço mortal, um suicídio de apaixonados. 
Ficou claro, no processo eleitoral, que o partido perdeu sua conexão com as bases e o povo e não foi apto para acompanhar as novas tecnologias de engajamento cultural e social, como os aplicativos de comunicação, principalmente o WhatsApp. Além disso, falhou-se na adequação do discurso a realidade, ao não se aceitar e apoiar de forma contundente a apuração de esquemas de corrupção e a responsabilização de culpados. Só assim, o partido seria legitimado para fazer críticas aos excessos e descaminhos sem ser eternamente visto como parte. 
Cabe agora ao partido as opções de se enterrar na cova em que cavou, mesmo com seus louváveis 60 congressistas e 4 governadores, ou renascer como um defensor da justiça social e dos direitos humanos. Para a concretização da última opção, será necessária a renovação dos quadros do PT, com o devido afastamento de algumas figuras históricas, como o presidente Lula, uma medida dura, todavia, necessária (também para o que o ex-grande líder da esquerda possa se defender de sua dezena de processos), o fortalecimento da ignorada juventude do PT e  o afastamento de cargos importantes de figuras que estão sendo investigadas e são rés em processos, como, infelizmente, a própria presidenta do partido. É preciso, outrossim, uma mudança ampla do discurso. O PT não é e não deve ser reduzido ao partido de defesa do Lula, ele possui advogados conceituadíssimos para isso. Deve ser o partido que busca a união da oposição e a sua liderança, defendendo a democracia e a constituição. Cabe-me, entretanto, frente ao passado, o pessimismo de acreditar que o partido escolherá a primeira opção. Enterrar-se. É mais comodo. Resta-nos assistir atônitos ao desastre que procede ao fim. 

Josué da Silva Brito 
Poeta mineiro, escreve aos sábados. 



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