Falsa equivalência e conspiracionismo levados à outro nível (Opinião)




Carl Sagan (2016, p. 242) em seu livro clássico O Mundo Assombrado pelos demônios lembra que

Devemos tentar não ficar demasiado ligados a uma hipótese, só por ser a nossa. É apenas uma estação intermediária na busca do conhecimento. Devemos nos perguntar o por que a ideia nos agrada. Devemos compará-la imparcialmente com as alternativas.

Bem sabemos o quão difícil é ser “imparcial”, temos sempre um lugar social que nos fornece um determinado campo de visão que pode afetar nossa visão, porém, é importante que tentemos, na medida do possível, analisarmos os arcabouços epistemológicos que formam as argumentações alheias, afinal argumentos não são coisas que se formam no ar, eles se constituem no nosso contato com o mundo material exterior a nós, com a sociedade que nos rodeia, com a natureza, tudo isso através da linguagem. Uma argumentação que se sustenta sobre a retórica tem nome: Sofisma. Karl Marx (2008, p. 43) realça a dialética que constitui nossa visão: “as circunstâncias fazem os homens, assim como os homens fazem as circunstâncias.”. Tendo em mente o caráter dialético do argumento e seus núcleos duros, surge a importância de compara-los antes de tomar algum como “verdade” ou, ao menos como coisa “mais plausível”.
O conspiracionismo é, essencialmente, sofista, firma-se sobre uma visão muito particular sobre os fatos, imbuindo nela medos pessoas e histerias coletivas que, muitas vezes, impedem uma análise racional, percebamos o seguinte diálogo.
- O governo está matando as pessoas com as vacinas.
- Mas as provas mostram gritantemente que as vacinas extinguiram diversas doenças, existem estudos, dados.
- Esses dados foram plantados pelo governo para que aceitemos as vacinas.
Enquanto um dos interlocutores procurou embasar sua fala, o outro, anti-vacinas, é movido por uma prepotente vontade de acreditar. Diante dessas duas formas de argumentar, temos três possibilidades principais e imediatas: a primeira é levar em conta a demonstra maior embasamento, que possui mais coerência e que prova mais próxima do real quando comparada com o que está posto na sociedade; a segunda é aceitar que as vacinas matam por que uma velinha em bairro X ficou gripada depois de tomar vacina pra gripe (Transformar em regra um dado único sem compara-lo); a terceira, tão perigosa quanto a segunda, é o caminho da falsa equivalência, afirmar que as duas alternativas são igualmente verdadeiras, pois o que importa é o que os dois indivíduos “escolheram acreditar”.
As duas últimas possibilidades normalmente configuram os sofistas, porém a segunda caracteriza um sofista mais “convicto” de sua conspiração, a terceira marca um sofista que procura ser mais conciliador, provavelmente reconhecendo as falhas sérias de sua argumentação, porém tentando mantê-la de pé através da moderação. Nos últimos anos brotaram do solo brasileiro (Modo de dizer, claro) diversos sofistas dos dois tipos, que ganharam voz com a internet, o terceiro tipo, embora mais agressivo, legitimava o segundo que, por sua vez, fazia o estrago, tudo isso aproveitando-se a péssima educação de base que se mostra incapaz de ensinar o modo de pensar científico para os jovens que crescem propensos a “escolherem” argumentos e não os analisar.
Uma das figuras que encontraram eco neste contexto foi o charlatão Olavo de Carvalho, metido a filósofo, falador de merda costumas e o presidente eleito Jair Bolsonaro, movido a fake News e a conspirações tortas. O primeiro foi alçado a “filósofo” por uma nova direita revoltada que sentia a necessidade de direcionar seu ódio, criando o “petralha”, figura metafísica e fantasmagórica que deve e merece ser odiada por todos os “verdadeiros” brasileiros e procurando uma ‘base teórica” para seu ódio, intento no qual as tronchas ideias do charlatão Olavo de Carvalho – que crê piamente em falácias Republicanas dos EUA – entravam perfeitamente. O que move a nova direita aqui não é a razão, mas o ódio e a vontade de odiar, de transbordar a raiva e desejo de acreditar, este irracionalismo gera um outro sintoma ainda mais sério: Bolsonaro.
A eleição de Bolsonaro foi consequência do esgotamento do modelo de conciliação do Partido dos Trabalhadores tanto na visão da elite quanto na visão das classes menos abastadas e do analfabetismo crítico. Chega-se agora ao ápice mais perigoso dessa contradição, que está a um ponto de explodir de vez, tendo chegado ao máximo de sua elasticidade, o presidente eleito pelo seu sofismo vai procurar, no mundo, as conspirações que vê nele, vai governar segundo a visão simplista de mundo que tem. Os piores dentre todas as áreas, aqueles nomes mais ideológicos e enganadores estão sendo cotados para todo tipo de cargo, Paulo Guedes, um liberal imbecil movido a ódio social e anti-povo irá para o ministério da fazenda e o próprio Olavo de Carvalho oferecendo-se como embaixador do Brasil nos Estados Unidos. É bizarro.
Porém, quando Bolsonaro e sua equipe de patetas sofistas não encontrarem na realidade as conspirações que nela veem, quem pagará por tal desilusão seremos nós, mas esta não é a pior parte: A burguesia brasileira não aceitará perder dinheiro devido aos caprichos do presidente e pode derruba-lo das formas mais destrutivas possíveis. A contradição chegou ao máximo de sua elasticidade.
Ou Bolsonaro aceita ser fantoche da burguesia, ou segue seus delírios e cria briga com as elites, podendo ser derrubado por um golpe militar ou estratégias jurídicas que criarão perigosos precedentes. Em ambas as possibilidades, o povo trabalhador perde.
Charlatanismo e falsa equivalência, assim como o subjetivismo extremo de uma certa esquerda pós-moderna, estão vindo cobrar seu preço. A Esquerda deve voltar à dialética, à objetividade e recriar uma hegemonia sólida, se não fizermos, alguém fará e, de fato, fizeram.

Referências:

SAGAN, Carl. O Mundo assombrado pelos demônios. 1ª ed. Companhia de Bolso, São Paulo, 2016.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. 2ª ed. Boitempo Editorial, São Paulo, 2008.


SUED

Nome artístico de Línik Sued Carvalho da Mota, é romancista, novelista, cronista e contista, tendo três livros publicados, também é graduanda em História pela Universidade Regional do Cariri. Militante comunista, acredita no radicalismo das lutas e no estudo profundo de política, sociologia, História e economia como essenciais para uma militância útil.
Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às segundas-feiras.
Contato: lscarvalho160@gmail.com




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