BANDEIRA E PROCLAMAÇÃO



La mano de la vida real  /  me retuvo  /  en sus garras.¹

Nesta manhã nublada pouso em um pé de eugênia florido. Vejo o escritor de minha denúncia sentado no solo e, no banco, os dialogantes desta história. A servir-me de testemunha do caos avizinhante, ouço para cantar “bem-tenho-visto”.
- Saulo, aquela charge de duas marionetes; uma dizendo: “Por que a gente não toma uma providência?” e a outra respondendo: “Porque somos imparciais.” Significa que ser imparcial é não se posicionar?
- A imparcialidade absoluta é impossível, Paulo. Nem mesmo uma filmadora de segurança é imparcial porque grava cenas de determinado ângulo. O que chamamos de imparcialidade pode ser obtida se há obediência às regras e se não valoriza uns mais que outros, principalmente se os “valorizados” são os ricos e poderosos. A charge é uma denúncia ou crítica àqueles que não fazem assim; ou seja, facilitam para quem oferece alguma “vantagem”.
No fim desta rua um carro para e ameaça um jovem escritor lgbt de esquerda. Quem testemunha senão* eu? Alheios, os dois continuam o diálogo.
- Certo, mas ser imparcial é não se posicionar?
- Justamente o contrário. Como falei acima. Ficar à direita, ou à esquerda ou “por cima do muro” é sempre um posicionamento. A questão é se o posicionamento é ou não idôneo. Ser imparcial é fazer o correto; e para tanto é necessário conhecimento. Quero dizer: saber as regras, ter moral e honra; ler bastante, pensar e refletir incansavelmente. Aliás, recomendo a leitura de Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda; os cantos de Machado de Assis e os contos de Lima Barreto. – Enquanto ele fala mudo de galho e canto minha denúncia: “bem-tenho-visto”. Paulo volta a falar:
- Há que se levantar alguma bandeira e fazer alguma proclamação sob pena de uma verdadeira morte em falsa vida.
- Não, não é golpe. É fascismo com licença democrática. Do estado democrático de direito a barbárie institucionalizou-se pelo voto direto.²
Com essas palavras Saulo encerra a conversa e levanto voo enquanto se despedem.


¹ FOIX, Vicente Molina. La Mujer de Mi Vida. Vanas Penas de Amor. Barcelona: Plaza & Janés Editores SA, 1998. P. 40.
² Poema “Com Licença”, de Flávia Frazão. Obra inédita.

* Diquinha de português – se não e senão:
Quando significar “do contrário” se escreve uma só palavra (senão). Veja: “Fale alto, senão ninguém vai ouvir”, ‘senão’ é escrito junto porque tem sentido de contrário; é como se escrevesse “Fale alto, do contrário ninguém vai ouvir”.
Quando pode ser substituído por “caso não” se escrevem duas palavras (se não). Veja: “Se não chegar a tempo, perderá o trem”, ‘se não’ é escrito separado porque é o mesmo que dizer “Caso não chegue a tempo, perderá o trem”.
NOGUEIRA, Sérgio. Quando escrever ‘senão’ ou ‘se não’?. Disponível http://g1.globo.com/educacao/blog/dicas-de-portugues/post/quando-escrever-senao-ou-se-nao.html . Acesso 23 Nov 2018.

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às quintas-feiras; e todo domingo no seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.  É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagem: Flores de Eugênia – foto de Vinícius Siman.

Escrito entre os dias 03 e 23 de novembro de 2018.

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