ANTROPOFAGISMO SOCIAL NÃO É CANIBALISMO CAPITAL
ou MOEDOR DE CARNE
Em português:
Ao sair pela manhã para trabalhar não vira o pequeno ponto
distante que era o ipê amarelo ao fim do túnel formado pelos oitis; as duas
únicas árvores em sua rua.
A tarde começara quando foi chamado à Sala. Lugar
temido. Onde quem já fora antecipadamente analisado era convidado – convidado,
mas a sensação era de intimidado; porém, na realidade, despachado.
Parou o serviço.
Os lábios dele não sorriam. Nunca! Seus olhos pretos
não eram doces. Ao contrário, “nos olhos negros que brilhava o veneno de uma de
serpente” aos dezoito anos, agora, aos cinquenta, o preto é só... Escuro! O
corpo fora comido. E uma vez digerido seria defecada sua figura desfigurada.
Voltou ao serviço.
Concluiu a peça, começou e terminou outra; mais duas.
Pergunto-me o porquê. Mas ele só trabalhou até o sinal indicativo do fim da
jornada diária.
Todos voltaram aliviados para suas casas alugadas,
apertadas, mal ventiladas, não iluminadas. Ele não. Sua jornada chegou ao fim
na fábrica. Justo ele, cidadão de bem.
Da mocidade altruísta, socialista, idealista foi para
conformista. Só isso, a conformidade de um cidadão de bem que, anos antes de
hoje, sonhara com o porte de armas a ser comprada com o 13º que lhe fora
sonegado.
Agora sequer poderia protestar sem o risco de
desaparecer como outros. Sem férias, sem seguro desemprego, sem FGTS; sem
nenhum direito.
E quem não tem trabalho terá sorte se não for pego
pela polícia. E de um jeito ou de outro continuará tão invisível pela Máquina quanto outro qualquer. E continuará tão invisível por "Os Donos" quanto lhe é invisível as flores, os vizinhos e tudo mais que não seja ele.
En español:
ANTROPOFAGISMO
SOCIAL NO ES CANIBALISMO CAPITAL
o MOLEDOR DE
CARNE
Al salir
por la mañana para laburar no vio el pequeño punto lejano que era las flores amarillas empanadas por la luz al fin del túnel
formado por las copas de los dos únicos árboles en su calle.
La
tarde empezaba cuando fue llamado a la Sala. Sitio temido. Donde quien ya fuera
anticipadamente analizado era invitado – invitado, pero la sensación era de
intimidado y en realidad, despachado.
Paró
el servicio.
Los
labios de él no sonreían. ¡Nunca! Sus ojos negros no eran dulces. Al revés, “en
los ojos negros que brillaba el veneno de una serpiente” a los dieciocho años,
ahora, a los cincuenta, el oscuro es solamente… ¡tinieblas! El cuerpo fue
comido. Y una vez digerido sería defecada su figura desfigurada.
Volvió
al servicio.
Concluyó
la pieza, empezó y terminó otra; más dos. Me pregunto porqué. Pero él solamente
trabajó hasta la señal indicativa del fin de la jornada diaria.
Todos
volvieron aliviados a sus casas alquiladas, apretadas, mal ventiladas, no
iluminadas. Él no. Su jornada llegó al fin en la fábrica. Justo él, ciudadano
de bien.
De la
juventud altruista, socialista, idealista fue al conformista. Solo eso, la
conformidad de un ciudadano de bien que, años antes de hoy, soñara con el porte
de armas a ser comprada con el aguinaldo que le fuera estafado.
Ahora
siquiera podría protestar sin el riesgo de desaparecer como otros. Sin vacaciones,
sin seguridad laboral; sin ningún derecho.
Y
quien no tiene trabajo tendrá suerte si la policía no lo agarra. Y de una
manera o de otra continuará tan invisible por la Máquina como otro
cualquiera. Y continuará tan invisible por “Los Dueños” cuanto le son invisibles
las flores, los vecinos y todo lo demás que no sea él.
Cronto pesadamente inspirado pela atual situação política
da Argentina e, mais ainda, do Brasil e levemente inspirado pelos contos “O
mexicano”, “Como me tornei socialista” e “O que a vida significa para mim”. Do
livro Contos, de Jack London. Terceira reimpressão pela Editora Expressão
Popular, 2009.
Autor: Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve
ao Ad Substantiam semanalmente às quintas-feiras; e todo domingo no seu blog
literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor
de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. É
pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na
Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e
Literatura”; autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso
Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura
Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da
Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de
Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga
MG (representando a Literatura).
Revisão em espanhol: Julian Cabral; natural de Buenos Aires
(Argentina) e onde estudou inglês na Escola Superior nº 6 Vicente López y
Planes; artista de rua especializado em malabares (argolas, devilstick e
outros).
Imagens:
Flor ao fim do túnel (01 e 02) – foto do autor para este
cronto.
Autor – foto de Vinícius Siman.
Revisor – foto do autor.
Manuscrito na manhã de 01 de outubro de 2018; nos mesmos
ano e mês trabalhado entre os dias 02 e 04.
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