O Eterno Judeu de Freud




Uma resenha sobre O Homem Moisés e a religião monoteísta, último texto publicado por Freud, formado de três ensaios em que o autor se propõe a explicar a diferença dos judeus para com o resto do mundo e o motivo de estes serem tão odiados. O problema do livro, preliminarmente definido: Freud não chega ao objetivo ao qual se propõe. Porém, o foco desse texto não está no fim, mas no percurso que o filósofo e psicanalista percorreu.
Freud procura entender as peculiaridades dos judeus e, para isso, se vale de métodos um tanto duvidosos tanto pelas limitações de sua época quando por comparações um tanto esdrúxulas que o autor escolhe. Para ele o judaísmo é uma mescla de religiões egípcias, mesopotâmicas e da região do Levante, Moisés seria, para ele, um egípcio influenciado pelas tentativas monoteístas feitas pelo Faraó Amenófis (p. 52), Amenófis III e Ikhnaton através da adoração do Rei Sol, influenciados por essa figura egípcia que desceu de sua condição social para eles, os judeus misturam essa nova influência aos mitos da região mesopotâmica, assim nasce o culto judaico, do fenômeno do sincretismo religioso, para Freud. É razoável a hipótese, o problema? Freud postula sobre a imagem de Moisés elementos sem qualquer embasamento ou fonte que o apoie, tapa lacunas nessa história com suposições unicamente suas, sem qualquer embasamento fora disso, o autor admite tais limitações, porém isso não o impede, em momento algum, de continuar postulando e construindo uma hipótese sobre a história do povo judeu, movendo a figura mitológica de Moisés a seu bel prazer, encaixando-a em sua interpretação (p. 62). Assim, ele não procura nas fontes a evidência da existência física de Moisés, ele supõe que Moisés de fato existiu e o encaixa nas lacunas de grande distância entre as fontes disponíveis. Uma coisa é analisar o impacto cultural do mito de Moisés, para qual os textos sagrados judeus são ricas fontes, outra é atestar a sua existência física e política sem fonte alguma e, ainda mais, afirmar que tais fantasias criadas por sua própria mente nas lacunas das fontes são a origem da religião judaica e definidoras do caráter desse povo enquanto etnia.
Sua constante comparação da história antiga do povo judeu com “estados mentais individuais” é um exercício perigoso no qual Freud se joga no final do segundo ensaio e nas recapitulações do fim do livro. Um indivíduo não é parâmetro exato para uma inteira sociedade, que não funciona de forma harmoniosa, e uma sociedade não funciona segundo os parâmetros resultados da análise de uma mente. Freud ou acredita que a sociedade é um grande homem artificial Hobbesiano e procura explicar suas contradições através de neuroses ou simplesmente quer forçar seus parâmetros como relevantes na análise da sociedade, transpondo-o para ela, em ambos os casos a metodologia é duvidosa. As contradições sociais não se explicam por “Estados mentais”, como uma pessoa “neurótica”. Esse é um abstracionismo perigoso, as estruturas econômicas, culturais e políticas de uma época podem explicar neuroses em alguns indivíduos (Neoliberalismo aumenta crises de ansiedade, por exemplo) e são fenômenos complexos, mas neuroses não atingem a cultura, economia e política a ponto de elas serem explicadas nesses termos terapêuticos, como Freud tenta fazer comparativamente (p. 112-158).
Freud mistura uma leitura enciclopédica de alguns livros de História do judaísmo antigo com suas teorias e o fez de forma abstracionista, no sentido de que imputa tais categorias de forma anacrônica, assim como entende os judeus hoje de uma forma primitivista, como se tivessem se consolidado em sua suposta origem e não mudado desde então, estabelecendo um padrão para a análise da “psique coletiva” do povo judeu nos tempos de Moisés (Se é que este existiu, toda a tese de Freud se firma sobre o obscurantismo). Assim, Freud não analisa o judaísmo em movimento em um mundo em movimento, mas analisa supostos padrões sociais criados em tempos imemoriais aos quais dedica a primeira parte do livro a “iluminar”, reordena o mito de origem judeu e interpreta o conflito “histórico” do cristianismo com o povo judeu na diáspora nesses termos, faz o mesmo com o crescimento do nazismo (p. 159-182), têm a origem longínqua (Da qual ele mesmo duvida continuamente) como motivo do conflito, não como ponto de partida, acredita que todo um preconceito que se consolidou historicamente se explica pelos fatos ocorridos no Egito Antigo, não se transformaram, não ganharam novas roupagens e se ressignificaram, para Freud o judeu se construiu sob influência egípcia e mesopotâmica, muito tempo atrás e desde então não mudou (p. 161), o que se formou naquela época, o caráter que se fez naquele momento seria, então, a causa da dificuldade dos povos de aceitarem os judeus em seu seio.
Estes puros, originais e sobreviventes em um mundo cada vez mais secular, são quase figuras estranhas nos intestinos dos povos, sobrevivem devido a sua resistência. Freud, sem analisar os processos materiais e as transformações históricas, imagina os judeus do Século XX em sua forma original, pulando do recorte da idade antiga para o contemporâneo sob o avatar do método psicanalítico, entendendo as épocas desse povo como as fases de desenvolvimento da consciência humana, faz uma análise terrivelmente pobre que duvida de si mesma, chega a diversos lugares comuns, apesar de presa a seus pontos de partida.  Constrói assim, psicanaliticamente, um outro eterno judeu, distinto do espantalho nazista, mas ainda assim um eterno judeu internacional, um ser ahistórico.

Edição resenhada:
Freud, Sigmund. O homem Moisés e a religião monoteísta. 1ª ed. L&PM POCKET, Porto Alegre, 2013.



SUED

Nome artístico de Línik Sued Carvalho da Mota, é romancista, novelista, cronista e contista, tendo três livros publicados, também é graduanda em História pela Universidade Regional do Cariri. Militante comunista, acredita no radicalismo das lutas e no estudo profundo de política, sociologia, História e economia como essenciais para uma militância útil.
Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às segundas-feiras.
Contato: lscarvalho160@gmail.com






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