Cada infelicidade é uma infelicidade, mas cada infelicidade é uma infelicidade do seu jeito
Mais uma espécie perdeu a possibilidade
de salvar-se da extinção, pois seu último macho, o rinoceronte-branco Sudan, morreu essa semana, aos 90 anos
de idade. Imediatamente após sua morte, surgiu a culpabilização da espécie humana
como uma praga exterminadora. Essa opinião, apesar de pouco profunda, está
certa, o sistema capitalista que mata o mundo com sua contradição material de matéria
prima limitada versus metas ilimitadas, porém, como diria meu professor de
História da América IV na Universidade Regional do Cariri, cada infelicidade é uma infelicidade, mas cada
infelicidade é uma infelicidade do seu jeito. Nessa infelicidade, temos um
tímido culpado... O charlatanismo chamado “medicina alternativa”, especificamente
a medicina tradicional chinesa.
Não que a medicina não-placebo seja harmoniosa com o meio ambiente, mas é exatamente a
contradição a qual quero aqui chegar. O lance é que a medicina alternativa é
alternativa a suposta opressão gerada pelos químicos
da medicina ocidental (Como se os elementos da medicina alternativa não fossem,
também, processados quimicamente e, surpreendam-se, produzidos em massa),
porém, ela destrói o meio ambiente tanto quanto essa malvadona medicina
ocidental.
A mania new age se fortaleceu com o movimento hippie nos anos 60 e 70, que espalhou
no mundo a medicina alternativa, que estaria longe do domínio das corporações e
aproximariam da mãe-terra, da hipotética era de ouro em que homens e deuses se
comunicavam livremente, como constata Celia Vectore refletindo sobre uma das
técnicas da medicina tradicional chinesa, a acupuntura: a ocidentalização da
acupuntura ocorreu “quando a filosofia oriental foi apropriada pelos hippies e
outros movimentos sociais alternativos em rebeldia contra o ‘establishment’
americano responsável pela Guerra do Vietnã”. (2005, p. 4).
Dos anos 70 para cá a indústria da
medicina alternativa oriental cresceu enormemente, grandes gurus passaram a
tornar-se conhecidos no mundo ocidental e foi levada ao céu a exploração dos
recursos das matérias-primas usadas nos artefatos de tais crendices supersticiosas,
uma delas é o chifre do rinoceronte branco, como relatou uma reportagem do G1
sobre esse tipo de mercado cujos produtos são, diga-se de passagem, mais caros
do que os da maligna medicina ocidental. O trecho abaixo mistura as palavras de
uma entrevistada, uma certa tailandesa chamada Ar-Muay, sobre seu negócio, a
descrições do redator da agência Efe, publicadora original da reportagem:
"Eu nunca tomo
remédios modernos, só confio no que está escrito nos livros de medicina
chinesa", explica a mulher, que há apenas um mês abriu seu próprio
negócio, após trabalhar durante vários anos em uma das mais antigas farmácias
chinesas da capital. O preço não é a principal motivação para aquelas pessoas
que preferem os remédios alternativos ou chineses, já que na Tailândia o preço
dos produtos farmacêuticos convencionais é relativamente baixo e acessível para
a maioria da população. Um tratamento alternativo, que dura entre uma semana e
dez dias, custa entre US$ 15 e US$ 30 (R$ 30 e R$ 60), mais que a maioria dos
remédios modernos, podendo inclusive ser mais caro se os ingredientes forem
raros ou escassos. Por exemplo, um tamlung (medida tailandesa equivalente a
3,75 gramas) de vermes tibetanos custa 15 mil baths (R$ 950), enquanto a mesma
medida de cavalos-marinhos sai por 1,5 mil baths (R$ 95). Ar-Muay assegura que
todos os produtos que vende são legais, inclusive os chifres de rinoceronte que
tem cortados em rodelas e que vende a 2 mil baths (R$ 126) o tamlung. Ela
também garante que compra os ingredientes de forma legal em uma fazenda, não se
mostrando preocupada pela ameaça de extinção sobre algumas espécies que
comercializa, e insiste nas propriedades curativas do chifre de rinoceronte,
por exemplo, para aumentar a fertilidade. "Os ossos de tigre ajudam a
melhorar as articulações, mas não os vendemos porque é ilegal", aponta de
forma um tanto ingênua Ar-Muay, que considera que o emprego destes remédios
milenares não contribui para a eliminação de espécies da flora e da fauna. A
maioria dos estabelecimentos de medicina tradicional e chinesa em Bangcoc se
encontra no bairro de Yaowarat, povoado pela comunidade de origem chinesa que
emigrou para Tailândia no século XIX. (AGÊNCIA EFE, 2012).
Assim, tal forma de medicina não apenas
engana os indivíduos desesperados com placebos ilusórios, como também agride a
natureza e ameaça espécies em extinção, cujas matérias primas ficam mais caras
e, por consequência, também o produto, quando o animal entre nesta condição. Ou
seja, quanto mais escasso o animal, mais sobre ele se pode especular sobre o
remédio alternativo. Assim, a medicina oriental chinesa está diretamente ligada
a extinção do Rinoceronte Branco, e a mania new age no mundo após os anos 60 e
70 acelerou essa agressão, como uma matéria da BBC notou:
Os rinocerontes-brancos-do-norte
viviam em Uganda, na República Centro Africana, no Sudão e no Chade e foram
dizimados nos anos 1970 e 1980. Na época, a caça ilegal foi estimulada pela
demanda por chifres de rinoceronte para uso na medicina tradicional da China e
para a produção de artefatos no Iêmen. (BBC, 2018)
A que conclusão podemos chegar? Medicina
tradicional, natural, alternativa, como queiram chama-la, agride tanto a
natureza quanto a malvadona medicina ocidental, haja visto que a sede por lucro
irá movimentar tal negócio, em que tudo é mercantilizável, assim é falaciosa a
defesa desses produtos naturais como “menos agressivos” ao mundo animal, pelo
contrário, podem ser até mais. O problema da agressão a natureza está
diretamente ligado ao nosso modelo de produção, independente de se animais são
usados na produção de remédios ou placebos. Além do mais, sempre devemos
investigar, na medida do possível, a trajetória dos produtos até nossas
dispensas, os produtos tem história, tem condições de produção empíricas e é
trabalhado socialmente por relações materiais ainda, de bônus, descobrimos o
motivo de nossos apelos por “consciência ambiental” nunca serem ouvidos, a
questão não é lateral, ela é parte do centro das contradições do sistema
capitalista do Século XXI.
Medicina “natural”, alternativa (Ou como
gosto de chamar, CHARLATANISMO), afeta ao meio ambiente tanto quanto a medicina
devidamente testada, o que as torna agressivas é o contexto produtivo no qual
se dão, não sua estrutura apriori,
embora medicina alternativa tenha o agravante de ser uma completa enganação
cujo objetivo é ganhar dinheiro com o desespero alheio.
R.I.P Sudan. Felizmente os biólogos
acreditam na possibilidade de preservar a espécie com reprodução in vitro,
olhem só, ao menos a ciência realmente testada tem a possibilidade de reverter
alguns estragos, ela vive hoje, inclusive, a estranha condição de ser aquela que cria as tanto os elementos para nossa destruição, quanto para nossa perpetuação, uma moeda de dois lados. A medicina "alternativa", por sua vez, tem apenas um lado, o da enganação.
Leituras
utilizadas
AGÊNCIA
EFE, Poções com escorpião e chifre de
rinoceronte são remédio na Tailândia [Online] disponível in: < http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/06/pocoes-com-escorpiao-e-chifre-de-rinoceronte-sao-remedio-na-tailandia.html>
, acesso em 25/03/2018.
BBC.
A morte de Sudan, o último
rinoceronte-branco-do-norte macho [Online], disponível in: < http://www.bbc.com/portuguese/internacional-43480247>,
acesso em 25/03/2018.
VECTORE, Celia. Psicologia e acupuntura: primeiras aproximações. Psicol. cienc. prof., Brasília
, v. 25, n. 2, p. 266-285, jun. 2005 .
Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932005000200009&lng=pt&nrm=iso>.
acessos em 25 mar. 2018.
XIBERRAS,
Martine, NOÇÕES DO MUNDO HIPPIE HOJE:
SEUS DESDOBRAMENTOS CULTURAIS E POLÍTICOS, [Online], disponível in: <
http://revistazcultural.pacc.ufrj.br/nocoes-do-mundo-hippie-hoje-seus-desdobramentos-culturais-e-politicos-de-martine-xiberras-2/>,
acesso em 25/03/2015.
SUED
Nome artístico de Línik Sued Carvalho da Mota, é romancista, novelista, cronista e contista, tendo três livros publicados, também é graduanda em História pela Universidade Regional do Cariri. Militante comunista, acredita no radicalismo das lutas e no estudo profundo de política, sociologia, História e economia como essenciais para uma militância útil.
Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às segundas-feiras.
Contato: lscarvalho160@gmail.com
Comentários
Postar um comentário