Apontamentos sobre a Intervenção federal no Rio de Janeiro
Extraordinariamente postado no Domingo...
O
carnaval é um dos momentos em que o mundo olha para o Brasil, é uma grande
festa, portadora de grandes narrativas sobre o Rio de Janeiro e o Brasil. Mas
também é uma época de problemas diversos, todos muito antigos, turismo sexual,
sequestro de mulheres para cativeiro sexual e o velho mito da democracia racial
que a festividade passa a propagar na mão da grande mídia, a ideia de que o
Brasil é um país harmonioso, em que determinada época do ano não existem ricos
e pobres. Há anos em que determinadas escolas de samba, como é o caso da
paraíso do Tuiuti, que fez um desfile denúncia explícito, conseguem deixar difícil
para os canais de transmissão confundir as coordenadas narrativas e a
pós-verdade cai por terra por alguns minutos.
Este
ano o carnaval foi a época em que, em vez de ser disfarçada a luta de classes
no Brasil, ela explodiu, se explicitou mais do que nunca em diversos conflitos
sociais que se deram simultaneamente ao carnaval, principalmente no Rio de
Janeiro, em que as elites devem estar arrependidas dos péssimos gestores
direitistas no poder, que não estão conseguindo segurar as contradições da
cidade e do Estado. Tiroteios, enchentes e o incrível desaparecimento do
prefeito invisível daquela que é erroneamente chamada de cidade maravilhosa
marcaram a época. O constrangimento do conjunto desta ópera dantesca foi tanto
que deu o que falar, a ponto de o ministro interventor do governo golpista de
Michel Temer, Raul Jungmann, dizer que o governo federal precisava pensar
medidas para a segurança do Estado.
Consequência?
Algo assustador, o ministério da defesa do governo federal interviu
militarmente por decreto no Rio de Janeiro, que agora tem dois governadores, o
incompetente Pezão do MBB (O mesmo PMDB) e o General Walter Souza Braga Neto,
que agora cuida de todos os assuntos relacionados a segurança pública na
cidade, não por eles serem graves e merecerem atenção, mas pelo “vexame
internacional”, para manter as aparências de que “algo” está sendo feito,
aliviando a imagem do governo, que fala em “ordem e estabilização” lá fora.
O
que houve? O Rio de Janeiro tem problemas, é verdade, mas são problemas estruturais
em todos os aspectos, a “cidade maravilhosa” sempre foi maravilhosa apenas para
as elites que não pensaram duas vezes em mandar todos os pobres e/ou
ex-escravos para os morros, expulsando-os sem dó das regiões centrais durante
as reformas de Oswald Cruz, outro que ganhou poderes quase ditatoriais na
época, seu conselho de saúde pública e suas brigadas sanitárias mandavam e
desmandavam nas políticas urbanas da cidade, o que agravou ainda mais o
problema das periferias, pobres e superlotadas. Uma pequena minoria tinha, na
época, trabalho formal, viviam como dava, de bicos, desde matadores de ratos
até os chamados “jornaleiros”, que sub-trabalhavam, nos portos.
Ou
seja, a situação no Rio de Janeiro não é nova, nem fácil, é antiga, ligada
umbilicalmente a própria estrutura da cidade, a desigualdade social gigantes é
literalmente herdada. Os mais pobres, em suas casas, nos morros, se virando
como podem e, muitas vezes, só conhecendo a realidade de “buchas” de canhão dos
grandes barões do tráfico... Os pequenos traficantes locais são aqueles que são
presos e mortos, sendo logo repostos, enquanto os grandes ficam intactos. A “mão
de obra” lumpemproletária barata que as periferias fornecem é um paraíso para
tais “empreendedores”.
A
burguesia adora falar em liberdade, mas logo esquece essa retórica quando vê as
coisas saírem do controle, quer ordem e progresso para seu capital, quando um
governo “liberal” não mais consegue manter a luta de classes fria ou apenas
morna, logo o autoritarismo toma conta. Alguém tem dúvida de em quem vão mirar
estes governos paralelos do Rio de Janeiro? Em quem sempre miraram, nos mais
pobres, sem nunca conseguir, de fato, resolver o problema. Literalmente,
tentando enxugar gelo.
José
Murilo de Carvalho, em seu “Os Bestializados” descreve que após a revolta da
Vacina a polícia subiu os morros e capturou qualquer um que considerasse “suspeito”,
matando ou levando para a cadeira, alguns foram até exilados para o Norte, sem
critério, sem devido julgamento, com a violência e a truculência costumeiras.
Esse cenário já se repetiu muitas e muitas vezes e continuará a se repetir,
pois este não é o foco do sistema público do Estado, o objetivo ali é paz para
o capital, e que o povo coma suas migalhas em silêncio. Carmen Lúcia impediu a
nomeação de 900 professores no Estado para sanar os desfalques nas escolas
cariocas, ao mesmo tempo que ocorre esta intervenção. Fica clara ai a
prioridade dos governos de direita do Estado e da cidade do Rio de Janeiro,
assim como a do governo federal golpista.
O
problema já faz parte da dialética do próprio Rio de Janeiro, ganhou vida
própria, pode-se dizer, não pode mais ser facilmente resolvido, está na cerne
da História do Estado desde os tempos do Império escravagista, intervenções que
mirarão sempre nos mais desfavorecidos, nas regiões “mais problemáticas” tentando
calar a contradição jamais serão capazes de solucionar o impasse. Só uma
mudança radical, ontologicamente violenta (Ou seja, capaz de mudar a estrutura
até a base, revolucionando), será capaz de levar a cabo tais mudanças.
É
nesses momentos que a análise do Estado no capitalista feita por Lenin em “O
Estado e a Revolução” torna-se ainda mais relevante, a perspectiva do
revolucionário russo, na obra, é a estrutura de repressão restrita e autoritária
do sistema estatal burguês, ele não analisa as nuances da relação, ou as formas
como isso se dá discursivamente e lateralmente, foca na questão da repressão
formal, militar e policial. Em épocas em que a luta de classes se desnuda de
suas complexidades, simplificando-se, o escrito de Lenin, que foi urdido em uma
conjuntura semelhante, passa a ter uma atualidade ainda
mais viva.
Paz
para o capital... Eis o lema do Rio de Janeiro hoje. O alívio na imagem que o
governo procura ante a comunidade internacional será desastroso para as
comunidades mais carentes do Estado e da cidade do Rio, literalmente, o governo
lavará sua imagem com sangue das “classes perigosas”, como as elites chamam a
classe trabalhadora e o lumpemproletariado desde que existem.
Links úteis:
Obras consultadas:
CARVALHO, José Murilo. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a
República que não foi. 3ª ed. Companhia das Letras, São Paulo, 2014.
LENIN, Vladmir Ilitch. O Estado e a Revolução. 2ª ed.
Expressão Popular, São Paulo, 2010.
SUED
Nome artístico de Línik Sued Carvalho da Mota, é romancista, novelista, cronista e contista, tendo três livros publicados, também é graduanda em História pela Universidade Regional do Cariri. Militante comunista, acredita no radicalismo das lutas e no estudo profundo de política, sociologia, História e economia como essenciais para uma militância útil.
Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às segundas-feiras.
Contato: lscarvalho160@gmail.com
Comentários
Postar um comentário