As ocupações dos MTST e MST são os novos quilombos
Para um entendimento das insurgências brasileiras do século XXI
Tenho dito e repetido a
importância das ocupações dos Movimento dos Trabalhadores sem Teto e Movimento
dos Trabalhadores Rurais sem Terra para a evolução social e conquista de direitos
a moradia e terra no Brasil no século XXI. Diria que são os novos quilombos
(movimentos de fuga de escravos nos séculos XVII e XVIII) e que têm objetivos
não muito distantes do que os quilombolas almejavam.
Aderbal Jurema, senador e
intelectual marxista brasileiro, classificou as revoltas escravas como episódio
da luta de classes no Brasil. Juntamente com as chamadas santidades (o que
Ronaldo Vainfas define como "ancestrais dos quilombos em terra brasílica"), que
reuniam índios fugidos da catequese e da escravidão, os quilombos formam o
princípio da resistência da classe oprimida. A mais importante das santidades
data de 1580, na Bahia.
"Santidade
rebelde era essa da Bahia, movimento que fez tremer o recôncavo, incendiando
engenhos e aldeamentos jesuíticos, prometendo a seus adeptos a iminente
alforria na 'terra sem mal', paraíso tupi, e a morte ou a escravização futura
dos portugueses pelos mesmos índios submetidos ao colonialismo." (VAINFAS, 2016,
p. 68).
E logo aviso — não
cometamos aqui o erro de fazer anacronismos e comparemos aos conceitos de nossa
época apenas ao que cabe a ela: os movimentos de luta por moradia e terra.
Há em comum entre
quilombos/santidades e esses movimentos que surgiram nas décadas de [19]80 e [19]90
vários aspectos, sendo, a meu ver, os mais importantes: luta pela liberdade e
direitos, união de forças populares oprimidas contra um mal maior e tomada de
espaços —
no caso dos quilombos, para esconder-se e criar suas fortalezas; no caso do MST
e MTST, para cultivar e morar.
Há um histórico imenso de repressão
governamental e midiática (esta última promovendo a opinião pública, que também
passa a ser opressora) a movimentos revolucionários. Como aconteceu com os
quilombos, a tudo custo tentam derrubar os movimentos por moradia e terra
através de repressão militar (vide os capitães do mato; no século XXI a polícia),
calúnias ("invasões", é o que sempre vê-se nos jornais) e uma legislação
totalmente prejudicial a quaisquer desses movimentos.
A marginalização de movimentos
revolucionários ao olhar da população sempre foi prática de controle de uma
classe dominadora amedrontada, como afirma Carlos Magno Guimarães:
"Além do
desgaste material, a existência dos quilombos provocava outros tipos de
desgaste (...): negação da eficácia do aparato jurídico-ideológico criado para
prevenir fugas e punir fugitivos e quilombolas capturados; existência de um
medo permanente nas autoridades e na população em geral, pela constante ameaça
de ataques quilombolas ou até mesmo da 'má conduta' dos agentes encarregados da
repressão aos quilombos." (GUIMARÃES, 2016, p. 161).
E, ao contrário do que se prega,
no MST e MTST não há a mínima intenção de tirar qualquer trabalhador de sua
terra ou sua casa, mas ocupar justamente áreas ociosas de pessoas com posses;
ocupar seu espaço, no caso do MTST, contra a especulação imobiliária. Ora, se
toda cidadã e cidadão tem direito a moradia, não é, pois, invasão o que
acontece nas ocupações, e sim a defesa de seus direitos. É como continua
Guimarães, pouco depois: "Ao negarem os princípios básicos do sistema
escravista, os quilombolas logicamente provocaram contra si uma repressão
caracterizada por uma legislação preventiva e punitiva e a formação de tropas
especializadas na tarefa de recapturar escravos fugidos e destruir quilombos." (GUIMARÃES,
2016, p. 162). Desta mesma forma age esses movimentos sem teto/terra — negando
os princípios básicos do sistema de desigualdade social e descumprimento de
direitos constitucionais, lutando por moradia e cultivo.
Portanto, os que hoje criminalizam
tais movimentos revolucionários, verão — assim espero — seus filhos e netos estudarem sobre
ocupantes rurais e urbanos como heróis.
MST e MTST são o Palmares do século
XXI, as principais fortalezas do proletariado brasileiro contemporâneo, com
quem a esquerda atual muito deve aprender na força, garra e sangue nos olhos
quando o assunto é luta por direitos.
ÍNDICE BIBLIOGRÁFICO
GUIMARÃES, Carlos Magno. Mineração,
quilombos e Palmares – Minas Gerais no século XVIII. In REIS, João José e GOMES, Flávio dos Santos (Org.). Liberdade por um fio – História dos
quilombos no Brasil. São Paulo: Claro Enigma, 2016.
VAINFAS, Ronaldo. Deus contra
Palmares – Representações senhoriais e ideias jesuíticas. In REIS, João José e GOMES, Flávio dos Santos (Org.). Liberdade por um fio – História dos
quilombos no Brasil. São Paulo: Claro Enigma, 2016.
Vinícius Siman
Escritor, diretor, crítico literário e militante dos direitos humanos. Tem nove livros publicados.
Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às sextas-feiras.
Contato: souzasiman@gmail.com
Os dois movimentos estão na vanguarda, na luta pelas transformações sociais"
ResponderExcluirMuito bom como sempre!!