A caricatura realmente existente: O Jardim das Aflições e o Olavo de Carvalho sob medida.


Imaginem um pretenso filósofo, que afirma ter refutado Einstein, Newton e Darwin, que advoga que o heliocentrismo é uma farsa conspiratória e entre outros, um pretenso filósofo à moda antiga que procura “entender” de tudo um pouco, ou, pelo menos, sobre tudo ter opinião. Dai, imaginem vocês, que esse pretenso filósofo seja também um anti-marxista convicto e que vê o mundo como se este ainda estivesse na época da Guerra Fria, que terminou em 1989, continuem imaginando, e cheguem ao cenário bizarro onde tal “filósofo” é tido como “guru” de uma nova direita recalcada, paranoica e conspiracionista e, em menos de dois anos, torna-se um ídolo de milhões e uma figura inquestionável para eles.
Essa caricatura que acabamos de imaginar não é uma caricatura, ao menos não no sentido estreito, mas é a realidade que se coloca hoje no Brasil e o “filósofo” citado mais acima tem nome, Olavo de Carvalho. Uma figura de opiniões, no mínimo, esquisitas: Combustíveis fósseis não existem, Barack Obama foi parte de uma conspiração, o movimento pelos direitos dos homossexuais ao redor do mundo é braço de um plano comunista de dominação mundial e entre outras bizarrices.
O documentário O Jardim das Aflições, lançado esse ano, dirigido por Josias Teófilo, mostra Olavo de Carvalho de uma forma estranha para a maioria das pessoas, na película o “guru” não é a figura de boca suja, gritalhona e agressiva dos vídeos da internet, é um indivíduo sereno, calmo, pensador e em contato com a natureza. Tampouco o documentário se aprofunda nas visões de mundo do Olavo de Carvalho, marcada por conspirações satanistas/comunistas/gayzistas/islâmicas e ameaças a crença em Cristo, mas apenas dá alguns toques em algumas interpretações deste sobre alguns aspectos da realidade contemporânea, que, por sinal, são de qualidade duvidável (A secularização da política fez com que se perdesse a verdadeira medida das coisas??? Absolutismo como conflito entre nobreza e rei? Segundo historiadores desde os anos 70, foi bem pelo contrário, vejam Linhagens do Estado Absolutista de Perry Anderson, por exemplo). O diretor cuidadosamente pergunta as coisas certas para não fazer seu guru “passar vergonha”.
Algumas características da personalidade de Olavo, no entanto, escapam por algumas brechas da edição, como, por exemplo, sua soberba e pretensão, quando este fala sobre suas leituras, toca em Lenin e Trotsky, afirmando que ninguém nunca leu tanto sobre comunismo quanto ele no Brasil e, se tivesse lido, “não seria comunista”. O autor não demonstra qualquer argumento que deslegitime Lenin, marxismo ou o comunismo, apenas bate no peito e diz “Estou certo, pois li muitos livros”. O diretor deixou “a mitagem” no filme, procurando, talvez, baixar a autoestima dos inimigos imaginários da direita brasileira contemporânea, o comunismo bolivariano gayzista, mas só conseguiu deixar escapar um pouco do Olavo de Carvalho que procurou esconder.
A todo o tempo há a construção da imagem de alguém extremamente intelectualizado, voltado para si, caminhante solitário dos bosques que parece ter saído de walden e profundo entendedor de política. Esse me parece ter sido, afinal, o objetivo do documentário, glorificar Olavo de Carvalho, fazer-lhe um monumento, algo que, aos olhos do diretor, faria jus a sua “infinita” intelectualidade. Porém, como já foi dito, não é difícil fazer com que esta imagem caia por terra.

A admiração de Josias Teófilo por Olavo de Carvalho é visível na produção que, diga-se de passagem, é de primeira qualidade, a fotografia é ótima, a iluminação é impecável, mas tudo isso é apenas um vaso de flores sobre a tampa de uma fossa, seu conteúdo é fragmentário, beira a desonestidade e é dotado de claras intenções prosélitas, O Jardim das Aflições procura mostrar um outro Olavo de Carvalho, um editado, cortado sob medida e sereno, nem perto da figura instável, soberba e, por que não? Cagadora de regra que a internet conhece há anos e que, de uns dois anos pra cá, tornou-se o guru de uma direita burra, reacionária e paranoica. Este é um filme gourmet para os Alexandres Frotas, Danilos Gentilis e Bolsonaros da vida, será usado e reusado para advogar uma pretensa intelectualidade que só existe na pose do astrólogo no qual esta película se foca.

Pérolas do "guru" Olavo de Carvalho ou O Olavo de Carvalho que Josias Teófilo não mostra, mas que todos conhecemos:








SUED

Nome artístico de Línik Sued Carvalho da Mota, é romancista, novelista, cronista e contista, tendo dois livros publicados, também é graduanda em História pela Universidade Regional do Cariri. Militante comunista, acredita no radicalismo das lutas e no estudo profundo de política, sociologia, História e economia como essenciais para uma militância útil.
Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às segundas-feiras.
Contato: lscarvalho160@gmail.com





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