CASTANHEIRA VERMELHA
Leitura do cronto postado no canal aRTISTA aRTEIRO:
- Uzadólatra iuzisprita num cunhéci Deus. Porisso
Deuzitá adiantânu a vorta dijizuis prassarvá uzcrênti nussinhô. – Não pausa nem
um segundo para mudar o tema e: A Bíbria dízi “prassêmpri”, máizi prassêmpri num
é eterno, pôissó Deuzeterno.
Finalmente o ônibus. Dentro, meia hora que parece
hora inteira. E se não aparenta mais é graças às árvores floridas no caminho. Chego
ao ponto e desço.
Depois de andar e finalmente chegar aonde queria eu
vejo um braço que leva à boca – um atrás do outro – cigarros. Nele, a tatuagem:
“Perdão, Luíza e Mãe”. Não sei o motivo da tatuagem. Mas motivos me bastam o de
Cecília. Não sei se sempre, mas hoje é o que preciso. E quero. Motivos.
O braço não me fala o motivo da tatuagem; no lugar
disso, tendo a ver ou não, reclama do pouco dinheiro e lamenta a profissão que
detesta.
- Professora eu sou; mas o que eu queria era ser
policial, bombeira ou outro cargo. – Silêncio de segundos. – Está doendo muito
aqui. (Aponta entre a coxa e a cintura.) Derramei água fervente quando passava
o café. A sorte é que eu usava bermuda de tecido grossão.
De novo no ponto para a casa e na rua atrás uma
castanheira carregada de folhas vermelhas.
Foto do autor. Centro de Ipatinga.
Ela faz o que não quer. Políticos fazem o que... não
querem? Refletindo, sento-me debaixo da castanheira vermelha e leio:
Estavas, linda Inês, posta em sossego, serenamente
vivendo a alegria e os sonhos naturais na tua idade. (...) Assim, também o teu
Pedro está eternamente entregue ao seu amor por ti. (...) O velho e bravo
Afonso IV, pai de Pedro, dando ouvido aos intriguistas do povo, decide tirar a
vida de Inês. Acredita que matando Inês, mata também o amor ardente de Pedro.
(...) Ela, sofrendo já pelo seu príncipe e pelos filhos, mais do que pela
própria morte, deita os olhos cheios de lágrimas aos seus meninos. (...) O rei
queria perdoar-lhe, mas o povo não se calava. Cumpre-se a morte de Inês. /
Pedro continuou a amá-la para lá da morte, e quando se tornou rei, mandou que o
corpo de Inês fosse sentado no trono; e ali, depois de morta, a fez rainha.¹
- Mas agora Inês é morta e o povo faz o que precisa
para sobreviver ou o faz por ignorância. Políticos, para não perderem o poder.
Penso em voz alta enquanto Camila Oliveira e uma sua
amiga, que se aproximam ao som de minha não tão bela voz, rebimboa-me:
- Todo povo merece o governo que tem. Pois a voz do
povo nuuuuunca foi a voz de Deus. Só lamento aos aposentados de Ipatinga.
Muitos meses sem receber e o prefeito dança orgasmático ao sofrimento popular.
Mas é o povo colhendo o que plantou.
- Não, Camila. O povo não merece isso. – Contesta Dulira
– O povo não é esclarecido. Se na época da campanha certas pessoas em vez de
pedir voto para o “chapeludo do capeta” falassem a verdade sobre ele, teria
sido evitado tanto voto.
- Olha! – intervenho – Eu falei bastante a verdade e
toda gente com que convivo falou incansavelmente a verdade. Mas o povo faz
sempre a escolha do que lhe será maléfico. Ah! “O povo não é esclarecido...”
Você diz. Não é esclarecido, ou seja, não está no claro por escolher as trevas.
Sim, a mídia e os poderosos são culpados de propor a escuridão enquanto os
artistas, os escritores, os pensadores, os professores propõem a luz. E o que o
povo escolhe? As trevas! Então o povo é culpado de escolher a ignorância por
ser comodista.
Um ventinho passa sobre nós e Camila continua:
- Tudo estava escancarado até na mídia e o povo
escolheu Barrabás. Como também podem repetir optando por Bolsonaro em 2018.
Apesar de ainda envolvidos pelo vento e pela
castanheira vermelha, Dulira dispara: “Mas no Ceará o povo recebeu o Lula com
gritos de Ladrão.” E Camila não para:
- Povo? O povo? Pode ter sido recebido pelo povo que
elegeu Collor; que grita ladrão mesmo com provas em contrário... Povo que se
cala com o fim dos direitos gratuitos ao estudo. Povo que acha absurdo quando
falamos: Vai estudar. Povo que é pato.
- Rirrerrirrê. Vocês dois devem está morando em outro
país. O cara já tá condenado. O povo que se sentiu lesado pelas trocas de bolsa
isso e bolsa aquilo para ficar no poder e acabar com o país tem direito de
gritar sim: LADRÃO! LADRÃÃÃO!
- Huuuum. Acho que vivo no Brasil mesmo. E pelo que
me lembro das aulas de História, de Geografia, de Literatura a corrupção não é
recente no país. Como é comumente fantasiada. Aqueles que dizem saber isso e
ainda assim culpam um partido é porque não estão refletindo; no máximo estão
pensando. Mas isso é coisa que até os meus cachorrinhos fazem... Todavia, é
necessário ir além disso e refletir, filosofar.
Camila continua e Benito completa. Tudo com o vento
nos acariciando e castanheira vermelha nos embelezando.
- Por que a corrupção é tão visível durante governos
de esquerda? Por motivo simples: Não esconde; não segue o dito “me engana que
eu gosto” porque isso é coisa de direita fazer. E...
- Você diz isso porque é petralha, poeta e traveca.
- Não, não sou de nenhum partido assim como não
acredito em nenhum político. Porém, não costumo “simplorizar” a vida como a
crença ingênua de que a demonização é a solução e...
- Acho que ela te comparou a Federico... Quanta
honra. – Benito interrompe – Quando Federico García Lorca foi assassinado
proclamaram que era por ser ele “rojo, poeta y maricón”, vermelho, poeta e
viado.
- Realmente, é uma honra. Mas continuando: Demonizar
não é solução. Isso é coisa de direita dizer e “pobre de direita” crer; aliás,
“pobre de direita” é um dos mistérios da vida... Como alguém pode acreditar
naquilo que lhe corrói?
- Ah! Como amo História e Literatura. Machado de
Assis não era a favor da República; não por detestá-la e sim porque sabia que o
povo não estava naquela época, e não está hoje, pronto para a responsabilidade.
Ele “profetizou” os “pobres de direita”.
- E...
- E agora chega. Porque a discussão está virando
apenas palavras jogadas fora. E eu prefiro o vento ao vão, a árvore ao arvela.
Diquinhas de português:
A ver e haver:
Quando quiser dizer que algo não tem relação a outro, use “a ver”. É uma expressão formada pela preposição “a” e o verbo “ver”,
geralmente associada ao verbo “ter”: ter a ver com.
O verbo “haver”
surge quando alguém precisa receber dinheiro de alguém ou recuperar algo que
perdeu: “Preciso haver meu
dinheiro”. Use ‘ter a haver’
no sentido de ‘ter a receber’ ou com sentido de ‘existir’,
de ‘ter’, de ‘acontecer’, de ‘ter passado’, entre outros sentidos.
Compare:
Ana tem tudo a ver com as coisas que
aconteceram. (As coisas que aconteceram têm relação com Ana).
Ana não tem nada a haver. (Ana não tem nada
para receber de ninguém).
Fontes de pesquisa:
DÚVIDAS DE PORTUGUÊS. Nada
a ver ou nada haver. Disponível https://duvidas.dicio.com.br/nada-a-ver-ou-nada-haver/
Acesso 17 Jul 2017.
EM PORTUGUÊS CORRE(C)TO. A ver ou haver. Disponível http://emportuguescorrecto.blogs.sapo.pt/41899.html
Acesso 17 Jul 2017.
VILARINO, Sabrina. Tem
a ver ou tem haver. Disponível http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/gramatica/tem-ver-ou-tem-haver.htm
Acesso 27 Jul 2017.
¹ CAMÕES, Luís Vaz. Canto III, Pedro, que amava Inês, que
amava Pedro. Os Lusíadas. Rio do
Mouro: Girassol Edições Ltda, p. 46.
Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve ao Ad
Substantiam semanalmente às quintas-feiras; e todo domingo no seu blog
literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor
de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. É
pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na
Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e
Literatura”; autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso
Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura
Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da
Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de
Leitura”. É, por segunda gestão, Secretário da ASSABI – Associação de Amigos da
Biblioteca Pública Zumbi dos Palmares (Ipatinga MG). Foi, por duas gestões,
Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Cronto partindo de dois manuscritos meus. Um manuscrito
registrando no dia 07 de abril de 2017 as ideias de um senhor em um ponto de
ônibus no Centro de Ipatinga; tendo atrás e à minha direita o busto de José
Júlio da Costa. Outro manuscrito registrando no dia 12 do mesmo mês a fala de
uma jovem senhora; tendo à minha frente uma árvore seca. E, finalmente, trabalhando
o texto em minha casa entre os dias 01 a 10 de agosto do mesmo ano; tendo ao
meu redor os meus cachorrinhos: Vitório, Federico e Florbela. E eu ouvindo Maria
Bethânia cantando e recitando Não Mexe Comigo: https://www.youtube.com/watch?v=wgMgoJV_AmU
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