Em meio ao Caos...
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Gato II, por Raquel Barbariz |
Ela
trabalhava 9 horas por dia de segunda a sábado, em uma de suas voltas para casa
um gato, de pupilas dilatadas pela gradativa chegada da noite, começou a
segui-la, o magro felino cinzento de olhos castanhos a acompanhou, sabe-se lá
porque, até sua casa. A mulher notou que o animal a seguia, mas só se importou
quando ele passou a se arrastar por sua perna no momento em que parou para
abrir a porta.
Entrou
na casa, fechou a porta na cara do peludinho, como se nada tivesse ocorrido,
estava muito cansada para se importar com o gatinho cinzento. O animal, porém,
era uma figurinha persistente, miou e miou, arranhou a porta, até que a mulher
abriu a porta, com olhos fundos de sono. Assim que deu abertura, o felino
folgado adentrou.
A
mulher chocou-se, correu atrás do animal para expulsa-lo, mas assim que o viu,
não conseguiu, o bichano deitou-se sobre um tapete, parecia sentir-se em casa,
a jovem, solitária, comoveu-se com a criaturinha que havia se afeiçoado a si,
pode-se dizer que sentiu-se honrada, decidiu recompensar o animal, deu-lhe uma
bacia de leite, o bichinho logo enfiou o focinho ali.
Terminado
o leite, voltou a se deitar, a mulher decidiu deixar, só por hoje, e então o gato ali
dormiu. Ela foi para o quarto e o felino ficou ali, sobre o tapete.
Quando
acordou pela manhã, foi para o lugar que o gato havia ficado, viu que ele já
havia ido embora, havia saído por uma janelinha aberta sobre a porta, ela não
se importou muito, mas a lembrança daquele momento como algo irreverente em
meio a sua rotina repetitiva permaneceu.
No
dia seguinte, porém, a história se repetiu, e no outro e no outro e os dias
completavam semanas e as semanas completavam meses. “O que custa uma baciazinha
de leite por noite para o bichinho?” – Pensava ela – Dai, logo se afeiçoou,
passou, com o tempo, a comprar também ração para o felino que lhe esperava toda
tarde e lhe fazia companhia. Era um encontro marcado. Passou a ver no animal um
amigo, e amigos eram algo que lhe faltava.
Logo
o bichano nem a seguia mais, entrava na casa e a esperava ali mesmo, todas as
noites ela o cumprimentava: “Boa noite, gatinho cinza.”, e lhe dava comida, o
animalzinho, por sua vez, a recompensava deitando em seu colo enquanto assistia, Eram amigos e ponto. Dois anos se passaram nesta rotina, mas
num dia algo diferente aconteceu, o gato não veio, o que a deixou insone. No
dia seguinte trabalhou intranquila, pensava no pior, temia o não retorno de seu
amigo.
Quando
voltou o gato estava lá, mas não era o mesmo, estava fraco, gemendo, mal
conseguia ficar em pé, ela o abraçou pela felicidade de o ver ali e para
acudi-lo, notou-o gélido, dai perdeu as estribeiras, ficou inquieta, colocou-o
nos braços e o levou a um veterinário no shopping da cidade, pagou 200 reais
pela consulta e pelo exame para receber a nefasta novidade: Seu querido amigo
estava envenenado, não havia solução, o veterinário deu condolências e informou
que o bichano só teria, no máximo, mais um dia de vida.
Após
insistir por uma solução, desistiu diante das várias consolidações de
diagnósticos, levou às, lágrimas, o amigo condenado em seus braços. Não dormiu,
passou a noite a assistir o moribundo, que deitou sobre sua cama.
No
dia seguinte não foi trabalhar, passou o dia sentada ao lado, na borda da cama,
do bichano, tentou alimenta-lo diversas vezes durante o da, mas o felino não
comia. O gato foi ficando mais e mais fraco, até o momento que não mais movia
os membros, apenas respirava, seus olhos transbordavam agonia, não conseguia
miar de dor, mas seus olhos eram puro sofrimento, a iminência da morte seria
sentida por qualquer um que visse o felino.
O
sofrimento que o gato não conseguia comunicar, a mulher tomava para si, estava a
chorar, as lágrimas escorriam por suas bochechas e despencavam para o corpinho
peludo do amigo. Ela acariciava a sua cabeça.
–
Estou aqui, meu bebê, eu amo você. –
Dizia, em voz chorosa.
O
animalzinho fechou os olhos com o carinho, sua respiração diminuiu até que
cessou, a mulher envolveu o corpo em um último abraço, esquentando o frio corpo
sem vida, com suas pálpebras a arder pelas lágrimas.
Em
meio ao caos...O amor.
SUED
Nome artístico de Línik Sued Carvalho da Mota, é romancista, novelista, cronista e contista, tendo dois livros publicados, também é graduanda em História pela Universidade Regional do Cariri. Militante comunista, acredita no radicalismo das lutas e no estudo profundo de política, sociologia, História e economia como essenciais para uma militância útil.
Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às segundas-feiras.
Contato: lscarvalho160@gmail.com
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