A Vitória da Multidão Decapitada



Vi um banco de plástico preto e nele me sentei, de início receosa quanto ao que diria ao dono da banquinha ao lado, pois eu não podia consumir nada, só tinha em meu bolso os dois reais da passagem. Fiquei ali, aliviando o peso de minhas pernas a esperar o ônibus, nos domingos eles sempre demoram mais. Há muitas pessoas ali que, assim como eu, esperam. Felizmente o senhor da banca não me cobrou o descanso possibilitado por este banquinho.
Explosões sonoras no ar, como o som da explosão de morteiros, fazem os pardais voarem em alvoroço das árvores na praça em frente ao terminal, vários fogos são lançados e explodem simultaneamente, buzinas de motos, dezenas delas, ecoam um som agudo que acorda os cachorros que dormiam na sarjeta.

O som fica mais alto, os fogos enfumaçam a atmosfera, deixando um cheiro de enxofre, uma grande carreata dobra a esquina, camionetes com vários indivíduos lotados na caçamba a gritar alucinadamente, motoqueiros sem capacete e motos carregando três ou quatro pessoas, tudo sob a insígnia de uma bandeira azul a tremular. Eles se sentem como que tendo conquistado o mundo inteiro, venceram, toda a cidade está sob a roda de seus veículos. O êxtase coletivo toma as ruas. Amanhã ou depois perceberão que não houve vitória, mas hoje, e apenas por hoje, só por esta noite, deixarão os impulsos falarem mais alto, libertarão aqueles sentimentos subterrâneos que mantinham nas profundezas mediante a dureza do cotidiano. Esta noite o êxtase é a lei, um jingle o hino, sua vitória a justificação. 



SUED

Nome artístico de Línik Sued Carvalho da Mota, é romancista e contista, tendo dois livros publicados, também é graduanda em História pela Universidade Regional do Cariri. Militante comunista, acredita no radicalismo das lutas e no estudo profundo de política, sociologia, História e economia como essenciais para uma militância útil.
Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às segundas-feiras.
Contato: lscarvalho160@gmail.com



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