PENSE AGORA PARA NÃO LAMENTARMOS DEPOIS
Um candidato a vereador com a boca escancarada e
quase cheia de dentes deixa um santinho sobre a mesa. E se vai, graças a Deus. Ignorando
o dito cujo e amassando o papel, diz para o interlocutor:
- É tarde! Agora é tarde! – Desvia o olhar para
Marcelo, vendedor de coquetéis no Feirarte: “Traga-nos drinques com frutas
cítricas, por favor!”.
- Tá sabendo que no próximo domingo comemoramos o
aniversário do Poeta?
- Quem? Rubem Leite?
- Sim! E... – Interrompendo e intervindo, um cantor
conhecido meu e das personagens declara:
- Oi! Sabem que sou candidato a vereador? Quero que
votem em mim.
Olhamos para o santinho e o vejo juntinho do – com o
perdão da baixa expressão – Troço com chapéu, Bíblia e olhar demoníaco; destruidor
mor de Ipatinga. Quem tem olhos que tenha visto. Quem tem cérebro que tenha
pensando. Quem não os têm...
Conversam, conversam e convenhamos; é bem
intencionado, mas é meninão querendo brincar de política. Seria ruim se fosse
eleito? Talvez! Mas não sei se ganharia algo, bom pelo menos, se escolhido
fosse o ocupar a... profissão(?!). E nós menos ainda; com certeza. Contudo, o
ponto alto de sua plataforma é ser “conhecedor dos pontos críticos que vive
nossa cidade”. Então não é ruim. Só que sem explicitar nada, nem o que se propõe
a fazer. É que todo torcedor sabe os pontos críticos de seu time e do
contemporâneo campeonato. Pois, política, brincadeira e futebol. Tudo uma coisa
só...
Ele sai e Vinícius se volta para si:
- É tarde! Agora é tarde!
- Por quê? Nada te fiz de...
- É tarde! Agora é tarde para fazer.
- Mas...
- O doloroso é nada ter praticado ou ter realizado
sem ver. E é doloroso você nem se ver e menos ainda a mim.
- Eu vejo...
- Só se for como o Elogio à Vaidade, de Machado de
Assis. Só se for.
- Não sei do que fala.
- Sei disso.
- Que conversa besta.
- Besta para quem tudo é festa.
- Vamos mudar de assunto. – Pausa para pensar o que
falar, mas sem realmente pensar em alguém, volta a quem falamos anteriormente e
não apontamos nesta história. – Ele é um homem de bem...
- E este título se pode dar a quem é pobre?
Vinícius disse com uma risadinha amarga; falou não
por crença e sim com azedume pela imposição da social crença muda. Não se pode
esquecer que ele é um leitor e seus comentários se embasam na leitura tanto
quanto na vida.
- Quem vai tocar?
- Os Ferreiras.
- Ferreiras?
- Não! No singular. É o professor de português falando
no plural, mas esquecendo de que nome próprio não se pluraliza.
- Mas já vi escritores colocarem nome próprio no
plural...
- São casos à parte. Salvo os que desconhecem a norma
culta, alguns simplesmente expressam algo que exige desobediência à gramática
para melhor expressar a ideia.
- Eita que você falou bonito.
- Bem... Eu não. Só se for o Rubem que disse bonito.
- Não sei se ele fala bem ou mal; se feias ou bonitas
suas palavras eu ignoro. Só sei que diz. E que ele é feio.
- E que ele é feio de fala bonita... É o que penso.
- O que estou fazendo aqui?
- Nada!
- Fazemos algo; algo que valha a pena?
- Somos borboletas sonhando que é gente? Somos gente
sonhando?
- Vivemos?
- Eu sou...
- Sei que você...
Os dois são interrompidos por mais um candidato a vereador.
E depois por outro. 10, 11,15, 20, 22, 25, 36, 40, 45, 55, 77. – “Não vou votar
em ninguém mancomunado com partidos golpistas; dá licença!” – Fala para os
políticos inimigos da Constituição Federal.
- Partidos bandidos!
- Não, bandido não! Pois o que a Lei permite –
ilícito ou imoral – é legal; não é crime. Mas continua sendo ilícito, imoral e o
escambal.
Ele ainda falava quando algo religioso aconteceu:
- Uma espécie de raio surgiu do nada, atingindo uma
pedra onde brotou de imediato uma flor de romã que seivou grãos úmidos fluindo
rápido e desproporcionalmente em círculo disforme.
- O quê?
Pergunta mesmo vendo o que Vinícius descreveu: De
repente a faca de um traficante ralé atinge um usuário de crack formando uma
ferida que deixou escorrer o sangue.
O domingo está perdido. E o que lamentamos? A flor ou
os comes e bebes?
E surge mais um candidato.
Rubem Leite é escritor, poeta e crontista; professor de
Português, Literatura e Artes. Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às
quintas-feiras. E toda segunda-feira no seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. Cronto
escrito entre os dias 04 e 22 de setembro de 2016.
CORREÇÃO:
ResponderExcluirABL (ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS) RESPONDE – coordenacao.ablresponde@academia.org.br – 21:38h
Pergunta:
Oi! Quero saber se nome próprio vai ao plural. Aprendi na escola que não se modifica, não importa quantos sejam com o mesmo nome - Uma Maria, duas Maria -. Mas vejo muito ser pluralizado. Pergunto porque sendo eu escritor estou criando uma passagem que fala de várias pessoas de uma família. Então devo dizer "Os Ferreira", ou devo falar "Os Ferreiras" ou tanto faz, posso dizer no singular ou no plural? "Os Ferreira ou os Ferreiras" Qual é a regra, por gentileza. Desde já, obrigado!
Resposta:
Prezado consulente, o antropônimo deve ser pluralizado com acréscimo de -s, se for essa a intenção: as Marias, os Joões, os Mários etc. Contudo, os nomes de família podem ou não ser pluralizados com acréscimo de -s. As duas formas são igualmente aceitas. Exemplo: os Ferreira ou os Ferreiras, os Albuquerque ou os Albuquerques etc.