Porqueiar


Dois oitis no bairro Vila Celeste sombreiam três mesas de boteco onde cinco rapazes bebem coca-cola, fumam caretas e conversam coisas sérias de adolescentes. Todos magros, de sandálias de borracha e tendo uma divisória nos cabelos. Dois com uma linha careca indo por trás, de um lado ao outro da testa. Um com uma moldura de cabelo demarcando a parte careca. E dois carecas na parte debaixo da cabeça; um com “blequepáuer” no topo e o outro com cabelos lisos.
Os cinco riem brincando com quatro rapazes jogando pelada na quadra da praça.
Duas garotas passam rebolando e sorriem dos olhares dos nove garotos; falam entre si e ambas querendo que falem com elas. As duas contornam a praça e passam, sérias, diante dos meninos, que parecem não entender a manobra. Uma suspira e ambas decidem dar uma última chance. Quem sabe não arranjam namorados para passarem suas monotonias...
Eu abro as asas e mudo de praça, de bairro. Pouso numa palmeira e me encontro com Gertrude, a sábia sabiá que sabia assobiar e falar mais que matraca e cantar que é um encanto.
- Como vai a sua mãe?
- Nena de Castro?! Ela decidiu dar uma pausa em suas amizades e agora eu e Leide Zefa estamos a sós e por nós; enquanto esperando nossa irmã chegar para conversamos.
- Que aconteceu com Nena?
- Coisas dela... Coisas de maluca.
- Ah!
- E sua irmã?
- Está que está matutano...
- Ah!
- Veja aquele homem olhando os outros em busca de vender seus bagulhos.
- Rerrê. A reação do sujeito que ele pensou querer comprar algo...
- E o velhinho solitário sentado aqui debaixo olhando quem passa, aspirando uma conversa.
- E as pessoas sentadas à sombra com suas vidas nem sempre bem vividas, nem sempre mal vividas...
- E quase nunca vívidas.
- O povo na sombra e os vereadores arrancando votos dos incautos.
- E os deputados sendo libertados de acusações por falta de provas...
- E a lama onde a política porqueia...
- E...
- E eles que são gente que se entendam!




Rubem Leite

​Escritor, poeta e crontista; professor de Português, Literatura e Artes.
Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às quintas-feiras. 
Contato: arterubemleite@gmail.com

Comentários

  1. Ótimo suplemento, Rubem. Um tapa com luva de pelica!

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  2. Interessante o bando de rapazes perdidos em si mesmo e nem entendem as "periguetes" que queriam um bate papo. Coisa dos tempos modernos, ou será que foi sempre assim. Sei lá. E o papo escabroso da sabia que sabia assobiar e de política. É o tempo... Belo texto amigo Runbem Leite.

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  3. Adorei! Um texto digno do seu talento, Rubem! Artisticamente belo e com a pontada de política e opinião que lhe é peculiar.

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