PRAÇA POENTE – LÚCIO
PLAZA POENTE – LÚCIO
Caminhava pela Av. João Valentim Pascoal com ajuda de minha bengala. O trânsito estava especialmente intenso e como sempre os odores estavam variados. Perfume, sovaco suado, churrasquinho, cocô, salgadinhos, gás carbônico, xixi, outro perfume, esgoto. – Huuum! Pelo cheiro e pela voz... deve ser uma mulher bem gostosa! – É muito interessante sentir na pele, como uma chuva seca, o pó férreo que sai das chaminés. Pessoas falando, gritando, música sertaneja, fanque, roque nacional, roque estrangeiro. Percebi a poucos metros o sinal fechando. Sei porque o barulho dos carros mudou de direção. Paro. Alguém continua a caminhar. Ia por o pé no asfalto. Pelo cheiro do suor deve ser homem. Não é fedorento. É que homem tem mais suor que mulher. Levanto o braço esquerdo parando-o pelo peito.
– Quê? – É só o que diz até perceber o trânsito.
– Mais atenção, cara. – Digo sorrindo.
– Não vi o trânsito. – Fala o carinha com uma voz
grave, levemente desafinada.
– Nem eu. – Respondo sorrindo ainda mais.
– Ah! Você é...
– Cego? Sim! – Pequena pausa. – Para onde vai?
– Para a rodoviária. – Responde. – E você?
– Para o Veneza.
– Sou Luís, e você?
– O sinal abriu; vou indo. Vai ficar? – Falei
enquanto comecei a atravessar.
– Não! – Parece que ele dá um passo grande e
desajeitado. – Como disse, estou indo para a rodoviária.
– Comprar passagem ou receber alguém?
– Como sabe que não vou viajar. – Pelo tom da voz ele
estava sorrindo.
– Ao tocá-lo não percebi nenhuma mala ou mochila de
viagem.
– Tá. É verdade. Vou comprar.
– Chegamos à rodoviária. Aqui eu entro na Belo Horizonte
para ir para o Veneza. Tchau.
– Espere. Você não me disse seu nome. Você me salvou
a vida e com isso nos tornamos amigos.
– Amigos? É provável. Com o tempo, talvez.
– Mas só poderemos ter certeza se a gente se vê mais
vezes... Ai! Desculpa.
Gargalho um pouco e digo: Não se preocupe. Isso é só
uma expressão. Não nos incomoda. E você parece gente boa. Eu sou Lúcio. Tem
acesso fácil à internete?
– Sim.
– Então acesse http...
– Espere! Deixa eu pegar papel e caneta para anotar.
Um momento. Aaanda, papeeel. Pronto. Peguei! Pode falar
– Até logo.
Deixo-o.
Ao redor um trânsito menos intenso, com cheiros variados, o pó ainda caindo.
Músicas e pessoas falando, gritando. Interessante! – penso – Deixei de perceber
tudo isso enquanto caminhava com Luís.
Rubem Leite
Escritor, poeta e crontista; professor de Português, Literatura e Artes.
Escritor, poeta e crontista; professor de Português, Literatura e Artes.
Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às quintas-feiras.
Contato: arterubemleite@gmail.com
Muito bom, Rubem. Gosto muito de recortes cotidianos com essa sensibilidade das percepções do cenário! Neste, então, podemos ver através dos sentidos aguçados de um deficiente visual. Formidável!
ResponderExcluirMuito bom, Rubem. Gosto muito de recortes cotidianos com essa sensibilidade das percepções do cenário! Neste, então, podemos ver através dos sentidos aguçados de um deficiente visual. Formidável!
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