Escola sem partido, um atentado a liberdade
“A pedagogia do oprimido, que
busca a restauração da intersubjetividade, se apresenta como pedagogia do
Homem. Somente ela, que se anima de generosidade autêntica, humanista e não “humanitarista”,
pode alcançar este objetivo. Pelo contrário, a pedagogia que, partindo dos interesses
egoístas dos opressores, egoísmo camuflado de falsa generosidade, faz dos
oprimidos objetos de seu humanitarismo, mantém e encarna a própria opressão. É
instrumento de desumanização.”
Paulo Freire in Pedagogia do Oprimido
É impossível iniciar a
discussão sobre Escola Sem Partido sem antes dedicar algum tempo a compreensão
das propostas educativas do filosofo, pedagogo e revolucionário Paulo Freire.
Não me limitarei, porém, a apenas discutir este tema mais que polemico da
atualidade, quero trazer a luz a educação libertadora – esta sim uma verdadeira
e correta proposta de educação.
Como defendeu em suas obras,
Paulo Freire deixou claro que a educação deve ser a base da libertação do
homem, é através dela que o homem vai poder se compreender como homem e entender
as relações de seu meio percebendo a dicotomia oprimido-opressor. E como se dá
a educação libertadora? Segundo tal, a educação libertadora se dá através do
dialogo, de um processo mútuo de aprendizagem em que as diferenças são
respeitadas e o ensino deve ocorrer de forma mútua entre educador e educando, os
quais alternam nas posições. Também se terá uma construção dialógica do currículo
de forma que as realidades culturais e sociais sejam relevantes para o processo
de aprendizagem.
Estando esclarecida a educação
como forma de liberdade – proposta pedagógica já adotada por diversas
universidades estadunidenses, europeias e canadenses, todavia renegada pelo
Brasil –, passo então as criticas a Escola Sem Partido. Primeiramente, é uma
proposta da famosíssima bancada BBB (Bala, boi e bíblia), perdoar-me-ão os que
se sentem representados por tais, mas essa bancada é lesiva a democracia e
disso já tempos certeza, raramente apresentam uma proposta com verdadeira
credibilidade e que colaborará para o futuro do país e mais uma vez conservam
esse estigma na sua representação. Esta proposta foi apresentada pelo pastor e
senador Magno Malta – conhecido do STF e da mídia nacional por certo escândalo há
alguns anos – ao Congresso Nacional, em várias outras instâncias do
legislativo, não obstante, já vem sendo debatida. O Projeto de Lei do Senado
193/2016 pode ser resumido como uma mordaça ao professor. É um projeto muito
coerente a ditaturas e a governos golpistas. Só de imaginar que agora o Rodrigo
Maia, apoiador do projeto (vide o Roda
Viva de 18/07/17 – p.s. elogiou a presidência do Cunha), está na presidência
da Câmara Federal e controla a ordem de pautas e o Mendonça Filho (Bancada BBB)
é ministro da educação sinto medo que uma proposta tão temerária quanto o
presidente das mesóclises seja aprovada.
Depois de boas considerações
iniciais, quero separar em tópicos as minhas criticas e criticas de grandes
especialistas na questão para cada um dos artigos do projeto. Então o faço...
em alguns argumentos trarei pedaços do projeto.
I - neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado;
III - liberdade de aprender e de ensinar;
IV - liberdade de consciência e de crença;
Duas coisas me causam muito
interesse nesse artigo, o uso tão desperdiçado da palavra liberdade e o inciso
primeiro. A casta dos opressores tem um
delírio quase olímpico em usar a palavra liberdade e tentar nos fazer acreditar
que temos total domínio sobre nossas escolhas. Façam-me rir, senhores
congressistas, o uso da palavra liberdade é vitupério por parte de vossas excelências,
liberdade consiste em conhecer a si mesmo e sua realidade tendo o domínio de
escolhas e decidir o próprio destino... Apenas educação libertadora como propôs
o Freire pode usar com beleza, maestria e afinidade a palavra liberdade, de
resto é uma proposta vaga e talvez populista para perpetuação do domínio dos
opressores. Agora, quanto ao inciso primeiro, ele é dual, mostra a contradição
dos nossos parlamentares. Que laicidade podem propor se templos religiosos no
nosso país são livres de impostos... foi concedido a lideres religiosos
passaporte diplomático e em várias instâncias leis que privilegiam igrejas são
aprovadas.
2) Parágrafo único. O Poder Público não se imiscuirá na opção sexual dos
alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer, precipitar ou direcionar
o natural amadurecimento e desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia
com a respectiva identidade biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a
aplicação dos postulados da teoria ou ideologia de gênero.
O artigo 2 se finda no bom
jeito século 19. Não cabe aqui nem criticas, o parágrafo já se critica por si
só. Ele impede ao educador e a escola de tratarem de ideologias de gênero, de
respeito ao diferente e traz raízes preconceituosas que até hoje são
lamentavelmente a base negra da nossa cultura. É uma verdadeira expressão de
opressão, visto que impede o diálogo e cala ambas as partes. Simplesmente
lamentável.
3) Art. 3º. As instituições
de educação básica afixarão nas salas de aula e nas salas dos professores
cartazes com o conteúdo previsto no anexo desta Lei, com, no mínimo, 90
centímetros de altura por 70 centímetros de largura, e fonte com tamanho
compatível com as dimensões adotadas.
Estou imaginando cartazes com
a imagem do Rodrigo Constantino, com um tratamento bem década de 1970, do mesmo
marqueteiro do senhor presidente interino.
O cartaz por si é uma afronta,
vai está sempre lembrando o professor da mordaça e colocando alunos e
professores em guerra, algum clima bem próximo da ditadura militar. Com certeza
terá uma frase assim: Cuidado! Se falar Marx você será delatado.
4) Art. 5º. No exercício de
suas funções, o professor:
I - não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, para promover os
seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas,
religiosas, morais, políticas e partidárias;
O professor não terá direito a opinião e se falar
cadeia nele em outras palavras. Isso é um desrespeito à própria Constituição
Federal. Ignora-se o direito do professor de como qualquer cidadão possuir sua
opinião e livremente dá-la. Esse inciso é a verdadeira herança de 1964. Muitos
executivos vetaram por essas características inconstitucionais da proposta.
5) Liberdade de ensinar – assegurada pelo art. 206, II, da Constituição
Federal – não se confunde com a liberdade de expressão. Não existe liberdade de expressão no exercício estrito da atividade
docente, sob pena de ser anulada a liberdade de consciência e de crença dos
estudantes, que formam, em sala de aula, uma audiência cativa;
Bem-vinda ditadura! Salve os
generais de 1964! Salve a queda da democracia! Essa é a quarta justificativa do
PLS. Fala por si. O legislador chegou à conclusão de que o docente não tem o
direito da LIBERDADE DE EXPRESSÃO. Deplorável, senhores. Isso é um atentado a
própria noção de ridículo, as bases do Estado Democrático de Direito, ao ideal
de nação e maior ainda a concepção livre de educação. Esta justifica por si só
já é o bastante para se finalizar as opiniões e decretar a opressão que o projeto
carrega.
6) Como disse o filósofo Leandro Karnal em entrevista na Roda Viva: “escola
sem partido é uma asneira sem tamanho”. Não há como se compactuar com um
projeto que simplesmente reforça a escola bancária e que não permite a evolução
do nosso sistema para a educação libertária. Como sempre as elites se valem dos
mitos para coibir a expressão das massas e corroborar a desigualdade no nosso
ensino.
Deixo no fim desse artigo
alguns links para maior embasamento jurídico da proposta e claro o link para
sua leitura na íntegra. Doravante, senhores leitores, devemos lutar para que
esse projeto de conservadorismo burro não avance e não torne nossos professores
escravos do sistema e homens e mulheres silenciados. Fica em mim o sonho que
até o fim de minha vida veja a educação libertadora implantada e que vença sempre
o diálogo e a democracia. Em suma, fora Temer.
Artigos referência:
Consulta pública e texto na
íntegra:
Josué da Silva Brito
Escritor, paracatuense, acadêmico de medicina e militante dos direitos humanos. Tem seis livros publicados.
Escreve ao Ad Substantiam semanalmente aos sábados.
Comentários
Postar um comentário