Canibais, graças a Deus
A Tropicália não é hermética; apenas socialmente sintética
Peguei-me reestudando o Manifesto antropófago e Manifesto da poesia
pau-brasil, de Oswald de Andrade, onde ele afirma que “só a antropofagia
nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente”.
E recordo-me também de Zé Celso e
sua aversão pela palavra resistência. “O negócio não é resistir, porra! É
re-existir!”.
Consequentemente, vem-me à cabeça
o livro Alegria, alegria, do Caetano,
e seu manifesto da preguiça e da breguice brasileiras.
Somos canibais — graças a Deus!
Temos em nossa veia o sangue de
bugres, de pretos e de gentis navegantes europeus. E o brasileiro, mais que o
português, tem a consciência de que “navegar é preciso, viver não é preciso”. —
Povo argonauta, que ultrapassa os gregos e seus tripulantes de Argo, trazendo
não um reles velo de ouro, mas uma penca de bananas douradas e rechonchudas
sobre a cabeça!
O movimento mais autêntico
brasileiro é a Tropicália. Não há porque negar nossa breguice chique, não há
porque esconder nosso jeitinho peculiar, nosso calor tropical — típico de um
país abençoado por Deus e bonito por natureza. Mas que beleza!
“Só a antropofagia nos une”.
Somos um povo abençoado pelos
orixás. Somos todos Bahia. Bahia de todos os santos.
A autenticidade do Movimento
Antropofágico o permite ir além da música, do teatro, das artes plásticas, da
tela da TV — alô, Teresinha! (“Sou Flamengo e tenho uma nega chamada Teresa”).
— É essencialmente brasileiro, socialmente sintético e infinitamente re-existente: tudo que nasce nesta terra é tropicalista. Antropofagia não é só um
movimento. É o DNA de um povo.
“Contra Goethe, a mãe dos Gracos,
e a Corte de D. João VI”.
“A alegria é a prova dos nove”.
E se um dia um gringo metido a
gentleman me perguntar se o Brasil é, de fato, o país das beautiful girls, responderei, com péssima pronúncia: we are
cannibals, thanks God!
Vinícius Siman
Escritor, diretor, crítico de arte e militante dos direitos humanos. Tem nove livros publicados.
Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às sextas-feiras.
Contato: souzasiman@gmail.com
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